A PUC-Rio recebeu com pesar a notícia da morte do Pe. Thierry Linard de Guertechin S.J. (07/04/1944-30/01/2022), ocorrida em São Paulo.
Thierry era belga e fez na Bélgica sua formação como demógrafo, doutor em Demografia, e como jesuíta. Em 1975, veio para o Brasil. Foi professor no então Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, de 1975 até os anos 1990. Foi também professor do IBRADES (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento) e, por anos, morou e atuou na Rocinha, como assessor de movimentos sociais e como pároco. Em 1998, quando o IBRADES foi transferido para a Brasília, o Pe. Thierry também se transferiu para lá, trabalhou e dirigiu o Instituto. Participou ativamente da Comissão Nacional de Justiça e Paz e coordenou atividades do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida. Foi também assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e diretor do Centro Cultural dos Jesuítas em Brasília.
Os que convivemos com ele na PUC-Rio, lembraremos a presença serena de Thierry no campus, sempre com seu cachimbo aceso no canto da boca quando passava pelos pilotis, depois das aulas e reuniões no Departamento. Na Rocinha, onde viveu e atuou, será sempre lembrado com carinho e reconhecimento. E, em Brasília, onde vivia e trabalhava ultimamente, certamente fará muita falta.
Nota publicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB):
Faleceu na madrugada deste domingo, 30 de janeiro, o padre jesuíta Thierry Linard de Guertechin, missionário jesuíta que atuou como assessor especial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), responsável por contribuir na construção das Análises de Conjuntura. Ele se encontrava em tratamento de saúde em São Paulo (SP). Um ano antes de sua ordenação, nutria o desejo de atuar como missionário na Índia, mas fora desaconselhado pelo padre geral da congregação, por conta das dificuldades de conseguir visto para o país. Os padres brasileiros, que conheceu no curso de Teologia, o estimularam a vir ao Brasil dedicar-se à missão. Assim, meses depois da sua ordenação, em 13 de novembro de 1975, Thierry viajou ao Brasil. No Rio de Janeiro, trabalhou por 20 anos, com atuação na PUC-Rio, como professor, e na favela da Rocinha, onde se instalou. Além da formação em Filosofia e Teologia, tinha mestrado em Demografia, pela Universidade Católica de Louvain e em Geografia pela Universidade de Liège, Bélgica. Foi professor na PUC-Rio de 1975 a 1996, no departamento de Sociologia e Ciências Políticas.Atuou no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, IBRADES/Centro João XXXIII, do qual foi diretor. Na Rocinha, manteve um trabalho pastoral e forte ligação com a comunidade. Ali, deu início à Ação Social Padre Anchieta (ASPA), de que foi assessor e diretor espiritual.
Entre os temas abordados em suas publicações, destaca-se economia do desenvolvimento, população, migração internacional, formação social e política. Entre as contribuições para a reflexão dos bispos, padre Thierry ofereceu o Mapa das Religiões, publicação sobre a pertença religiosa no Brasil, a partir dos censos do IBGE. Em 1998, com a mudança do Ibrades para Brasília (DF), padre Thierry mudou-se para a capital federal, onde também se tornou membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP), organismo vinculado à CNBB. Foi diretor do Centro Cultural de Brasília de 2005 a 2011 e chegou a acompanhar a Comunidade de Vida Cristã (CVX) e ter ministérios na periferia. Mais recentemente, foi coordenador do projeto Diálogos em Construção do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (Olma). Em Brasília, contribuiu como assessor especial e perito para as Análises de Conjuntura, além de assessorar em todo o país dioceses, comissões, pastorais e organismos da Igreja.
Nota publicada no Jornal Fala Roça:
Espremida entre moradias e comércios no Largo do Boiadeiro, a capela Nossa Senhora Aparecida guarda histórias. Uma delas, lembrada por moradores católicos, é de um homem branco, estrangeiro, com sotaque belga e mangas arregaçadas. Era o Pe. Thierry Linard de Guertechin, que ajudou a “virar a laje” com a ajuda de fiéis, na década de 80. [...] Pela proximidade com a [PUC-Rio], passou a frequentar a Rocinha e se apaixonou. Ele acreditava que para acabar de vez com o assistencialismo, que não resolve o problema da favela, os moradores deveriam organizar a vida social. Numa entrevista ao jornal Tribuna da Imprensa, em 1984, avaliou a potencialidade dos moradores. “Um grupo organizado se faz ouvir sem precisar estar ligado a partidos políticos. A força do grupo leva à obtenção dos objetivos”, disse ele ao criticar o conformismo.
Para Linard, o conformismo gera o imobilismo dos moradores, que preferiam deixar os problemas para as autoridades resolverem. Por meio das inúmeras atividades que os centros comunitários passaram a desenvolver, provocou os moradores a pensar sobre os problemas mais imediatos de suas vidas, transformando o conformismo em luta, sem esperar os favores caírem dos céus.
Na Rocinha, enfrentou inúmeros desafios com os jesuítas porque seus superiores, a quem devia obediência, não viam com bons olhos o trabalho na favela. Comprou uma casa na antiga Rua 4 e, assim como os moradores da localidade, viu sua residência dar espaço para a famosa Rua Nova depois das obras do PAC 1, em 2010. A casa lhe servia de moradia, mas também abrigava encontros das pastorais da capela na década de 90 e início dos anos 2000.
Nos anos 80, participou dos mutirões de limpeza, canalização das valas e construção de moradias dignas, além de reivindicar melhores condições de vida para os moradores. O trabalho pastoral foi estendido à Ação Social Padre Anchieta (ASPA), de que foi assessor e diretor espiritual, participando ativamente, mesmo à distância, por chamadas de vídeos.
Colaborou durante anos com a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) como assessor especial e integrou o grupo de peritos que produz a Análise de Conjuntura mensal para a entidade. Em Brasília ficou 20 anos e esteve à frente do extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento (Ibrades) e do Centro Cultural de Brasília, uma instituição dos padres jesuítas. Também trabalhou no Observatório de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida. Mesmo após esses anos vivendo no Brasil, o padre não perdeu seu sotaque e falar o português foi uma de suas maiores dificuldades. “O que me consola é que as pessoas são muito amáveis e dizem que o meu sotaque é charmoso”, dizia o religioso. Muito querido por todos, o religioso colecionou amigos na Rocinha. Ao longo dos anos, ele batizou inúmeras crianças. Maria Coelho, secretária da capela Nossa Senhora Aparecida, passou a catalogar os batizados feitos pelo padre de 1981 até 2020. Entre 1981 e 1985, 1101 batismos passaram pelas mãos de Linard.