D. Suzana Gonçalves foi Diretora da Divisão de Bibliotecas e Documentação da PUC-Rio entre 1975 e 1994, e antes, entre 1964 e 1966, presidente da CAPES.
"Em 1945 começou a atuar na Ação Católica, ministrando aulas nos cursos do Instituto Feminino, vinculado à PUC-Rio. Lecionou no Colégio Jacobina e no Colégio Santa Úrsula, assessorou a reitoria da PUC-Rio na divulgação das atividades da universidade. Foi diretora-executiva da Capes entre abril de 1964 e maio de 1966. Em 1967, juntamente com o Padre Antônio Geraldo Amaral Rosa S.J. e o Professor Paulo de Assis Ribeiro, implementou nova estrutura na PUC-Rio, onde mais tarde chefiaria a Biblioteca Central (1975-1994)." Fonte: FERREIRA, Marieta de Moraes, MOREIRA, Regina da Luz (org.). Capes, 50 anos. Depoimentos ao CPDOC/FGV. Brasília: Capes, 2002. 343 p.
Veja aqui a matéria sobre D. Suzana publicada no Jornal da PUC.
A seguir, texto da Profa. Ana Waleska Pollo Campos Mendonça, do Departamento de Educação da PUC-Rio.
Encontros com Suzana Gonçalves (D. Suzana)
A vida é feita de encontros (e também desencontros...). Muitas pessoas passam pelas nossas vidas; com algumas nos encontramos e alguns desses encontros deixam marcas indeléveis.
É a partir de ao menos dois encontros desses que marcam, que vou tentar traçar um perfil de D. Suzana. Tarefa difícil, dada a riqueza da sua personalidade, encoberta por uma discrição e uma simplicidade raras.
O primeiro encontro. Conheci D. Suzana em 1969. Eu acabara de ingressar como professora no recém-criado Departamento de Educação da PUC, apenas concluídos os créditos do curso de Mestrado, que também se iniciava (tinha apenas três anos de funcionamento), na área de Planejamento Educacional. Jovem professora, fui convidada com duas outras também jovens professoras: Rosina Fernandes (depois, Wagner) e Stella Cecília Duarte (depois, Segenreich), para colaborarmos em uma experiência pioneira da Assessoria de Planejamento da Reitoria. Tratava-se, nos idos dos anos de 1960, de implementar na universidade a metodologia de Orçamento-Programa. À frente da experiência, o professor Paulo de Assis Ribeiro, economista renomado, que, à época, dava aulas também no nosso Mestrado, na área de Planejamento Educacional, e D. Suzana Gonçalves, que acabara de deixar a direção da CAPES [1]. Lembro-me bem do forte contraste físico entre os dois: Dr Paulo, um homenzarrão enorme, e D. Suzana, miudinha, aparentemente frágil. Os dois trocavam idéias, acaloradamente, todo o tempo, gesticulavam e discutiam muito e, nessas horas, D. Suzana, surpreendentemente, crescia... Reuníamo-nos com frequência e nos horários mais díspares, algumas vezes, na própria residência do Dr. Paulo. Era um clima intenso de trabalho e entregamo-nos animadamente às tarefas que nos eram atribuídas. No entanto, a experiência meio prematura não foi muito à frente. Mas, assim conheci D. Suzana e começamos uma relação sempre amistosa.
Da Assessoria de Planejamento, D. Suzana foi para a direção da Biblioteca Central da PUC. Ficou um longo tempo à sua frente e a universidade deve a ela esse trabalho fantástico de organização dessa que é, hoje, sem dúvida, uma das melhores bibliotecas universitárias do país. Cruzávamo-nos, frequentemente, nos pilotis do “prédio novo”, e ela, sempre correndo, não deixava de dar uma “paradinha” para papearmos um pouco, começando sempre por um “minha filha, como vão as coisas?”.
O segundo encontro: 30 anos depois. D. Suzana já se aposentara da PUC. Eu iniciava uma pesquisa sobre os anos iniciais de funcionamento da CAPES, sob a gestão de Anísio Teixeira, e fui entrevistá-la, já que fora ela quem substituíra Anísio, após a sua demissão pelo governo militar, “a bem do serviço público”.
Como morávamos proximamente, costumava encontrá-la pela rua, sempre apressada, quase correndo, mas jamais deixando de lado a habitual “paradinha”. E lá vinha o indefectível “minha filha”... Lembro-me bem que, numa dessas vezes, contou-me que tinha um grupo de amigas igualmente aposentadas, entre as quais D. Lourdes, ex- secretária do Reitor, outra das figuras centrais dos meus primeiros anos de PUC, e que costumavam sair juntas, ir ao teatro, ao cinema e assim aproveitavam o tempo e continuavam a cultivar os laços construídos no espaço da universidade, central na vida de todas elas.
Combinamos que a entrevista seria na sua própria residência e D. Suzana fez-me duas exigências: que eu fosse sozinha - pois lhe propusera, inicialmente, levar o grupo de pesquisa - e que não gravasse a entrevista. Carreguei apenas um caderninho onde fiz as anotações que guardo até hoje. D. Suzana recebeu-me animadamente, e entre uma Coca-Cola e muitos biscoitinhos da Gerbô (confeitaria tradicional de Copacabana), ficamos uma tarde inteira numa longa conversa que foi se desdobrando sem que eu tivesse que intervir muito.
Começou me dizendo que ficou sabendo da sua nomeação para a CAPES, pelo rádio, e que levou um susto enorme. Mas aceitou o desafio.
No seu primeiro dia de trabalho, defrontou-se com uma mesa vazia e em cima dela o processo administrativo através do qual se pretendia incriminar Anísio Teixeira, acusado de malversação de verbas. Disse-me que, simplesmente, engavetou-o e que assim o processo permaneceu durante todo o tempo em que esteve à frente do órgão.
Anísio foi depois inocentado das acusações que lhe eram dirigidas e, algum tempo mais tarde, quando do seu retorno ao Brasil, após um período de semi-exílio, em que atuou a convite como professor visitante nas universidades de Chicago e de Colúmbia, enviou para D. Suzana, segundo ela própria, um exemplar do seu livro Educação para a Democracia. Em uma dedicatória por ele escrita e assinada, agradecia-lhe ter preservado a CAPES, que ajudara a criar, e cuja sobrevivência sabia que estivera, de fato, em risco.
É significativo que das duas importantes instituições que Anísio criou ou ajudou a criar nos anos 1950-1960, no âmbito do MEC - além da CAPES, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) e sua rede de centros regionais - apenas a primeira tenha conseguido permanecer após os anos 1970 e constituir-se no principal órgão responsável pela instituição no país de um sistema de ensino pós-graduado nos moldes das melhores universidades européias e norte-americanas. Se por um lado essa sobrevivência se deu, sem dúvida, porque o órgão atendia, em parte, aos interesses da política de ensino superior desenvolvida pelo governo militar, por outro, a CAPES, organizada sob a forma de Campanha, tinha uma institucionalização mais precária que o CBPE e, já anteriormente a 1964, sofrera uma forte oposição de outros órgãos da própria burocracia estatal, como a COSUPI [2], de feição mais imediatista e pragmática.
D. Suzana comentou comigo que não chegara a conhecer pessoalmente Anísio, mas mostrou-me o livro com a dedicatória que guardava com carinho.
Lembrei-me de situação que vivenciara, muitos anos antes, e que, talvez, agora adquirisse sentido. Quando ingressei no curso de Mestrado da PUC, em 1968, obtive uma bolsa da CAPES, que me permitiu dedicar-me integralmente ao curso. Apenas três bolsas foram concedidas aquele ano pela CAPES ao curso. Logo depois, soubemos, a instituição entrou em crise, culminando com a saída da D. Suzana da sua direção. Eram anos nebulosos, de endurecimento do regime militar, e avalio, hoje, que talvez as atitudes firmes de D. Suzana lhe tenham custado o cargo...
Pois são essas algumas das lembranças que trago dessa figura ímpar: pequenina, discreta, mas íntegra e à qual devemos muito, não só a PUC, mas a universidade brasileira.
[1] Atual Fundação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, órgão responsável pela política de pós-graduação do MEC, criada inicialmente sob a forma de Campanha.
[2] Comissão Supervisora do Plano dos Institutos, criada para implementar os institutos tecnológicos nas universidades.