(28/08/1916 - 31/01/2023)
A profa. Emérita Cleonice Berardinelli faleceu no dia 31 de janeiro de 2023, aos 106 anos. Ela estava afastada do magistério há alguns anos. Carioca, morou em diversas cidades do Brasil. Sua sólida formação e a paixão por sua área de expertise tornou-a conhecida como a maior especialista em literatura portuguesa no Brasil.
Licenciada em Letras Neolatinas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1938), doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil (1959) e livre-docente de Literatura Portuguesa por concurso pela Faculdade Nacional de Filosofia (1959). Foi professora emérita da UFRJ e da PUC-Rio e deu aulas na Universidade Católica de Petrópolis e no Instituto Rio Branco, além de ter sido professora convidada pelas Universidades da Califórnia, campus Santa Barbara (1985) e de Lisboa (1987 e 1989).
Entre suas obras, estão a Antologia do Teatro de Gil Vicente (1971), Fernando Pessoa. Obras em prosa (1975) e Sonetos de Camões (1980), além de antologias, ensaios e estudos críticos que se tornaram referência em sua área.
Nota da Academia Brasileira de Letras
Cleonice foi eleita para a Academia Brasileira de Letras em 2009, sucedendo Antônio Olinto, e era considerada uma das maiores especialistas do mundo em literatura portuguesa, sobretudo na obra de Fernando Pessoa. Ela era a sexta ocupante da cadeira nº 8 e a Acadêmica mais longeva da Instituição. A Sessão da Saudade em homenagem à autora foi realizada na Academia.
No Rio fez, no Instituto Nacional de Música, todos os cursos teóricos, nos quais se diplomou, sob a orientação do Maestro Oscar Lorenzo Fernandez, que também era seu professor de piano. Em São Paulo, terminou o curso secundário e fez, na USP, o curso de Letras Neolatinas, onde teve como professor de Literatura Portuguesa o eminente mestre Fidelino de Figueiredo, que, ao fim do ano, a convidou para ser sua assistente. Contudo, uma nova transferência na carreira militar de seu pai, dessa vez para o Rio, a levou a conhecer o então professor da mesma disciplina na Universidade do Brasil, Thiers Martins Moreira, que lhe fez o mesmo convite, definindo, então, o seu caminho.
No Brasil e no Exterior, proferiu diversas conferências e palestras em mesas-redondas. Recebeu, ao longo de sua trajetória, diversas distinções e homenagens, como Cleonice Clara em sua geração, livro de homenagem organizado por professores de Literatura Portuguesa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que contém ensaios de especialistas brasileiros e estrangeiros.
Nota da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Cleonice Berardinelli: inegável decana dos Estudos Portugueses no mundo. A FLUC manifesta o profundo pesar pelo falecimento da Professora Cleonice Berardinelli, tinha 106 anos. “Ela faz parte da aristocracia do espírito, essa que sim é necessária para a evolução da sociedade” disse José Saramago sobre a primeira brasileira a escrever uma tese sobre Fernando Pessoa.
Em maio de 2013, sob proposta da Faculdade de Letras, Cleonice Berardinelli foi distinguida com o Doutoramento Honoris Causa da Universidade de Coimbra, numa cerimónia na Sala dos Capelos - tinha 96 anos e era a primeira brasileira a receber o mais importante grau académico da instituição: “Significa muito. E para mim começa em D. Dinis. Foi ele quem fundou a Universidade [de Coimbra] e ele era o maior poeta trovadoresco em Língua Portuguesa. Uma figura que me parece muito positiva. E eu estar aqui significa, em primeiro lugar, aproximar-me mais de D. Dinis, e depois é conviver com alguns antigos amigos que cativei aqui”, disse em seu discurso de agradecimento e ainda declamou um trecho do poema de Fernando Pessoa a D. Dinis, que para ela "representa melhor o que estou vivendo hoje":
“Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que,
como um trigo De Império, ondulam sem se poder ver”.
Mensagem da profa. Margarida de Souza Neves, do Núcleo de Memória da PUC-Rio
Hoje é dia de saudade. Dia de Sa-u-da-de. Com as quatro sílabas bem marcadas, por causa da métrica, como ela ensinou à Bethânia na gravação da Prece de Fernando Pessoa para o DVD O vento lá fora.
Hoje é dia de ouvir uma e outra vez a voz firme e doce de Dona Cléo ler, como só ela sabia ler, a Prece de Pessoa:
Senhor, a noite veio e a alma é vil.
Tanta foi a tormenta e a vontade!
Restam-nos hoje, no silêncio hostil,
o mar universal e a sa-u-da-de.