Na missa de sétimo dia,
concelebrada pelo Reitor da PUC-Rio, Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J. e
pelo Pe. Luís Corrêa Lima, professor do Departamento de Teologia, um de seus
orientandos tocou suas músicas preferidas no violão e algumas de suas amigas,
também cientistas sociais, e de seus alunos falaram sobre ela. Transcrevemos
abaixo o texto lido pela professora Dulce Chaves Pandolfi, do CPDOC/FGV:
De Santuza fui vizinha, amiga, madrinha, irmã e até mesmo, algumas vezes,
um pouco mãe. Sem dúvida, ela era única. Aliás, foi a única Santuza que
conheci. A voz, o sorriso, o cabelo, o gestual das mãos, o pigarro, a
postura eram marcas registradas. Apesar de única, ela era tão grandiosa
e radiosa que parecia várias. O que a movia era a paixão e por isso, as
vezes, pecava pelo excesso. Apaixonada por Boa Esperança, sua terra
natal, da mãe herdou a elegância e do pai, o lado mais boêmio. Muito
charmosa e estilosa Santuza não gostava de modismos. Nada entendia de
cozinha, nem era uma gourmet, mas adorava convidar os amigos para jantar
na sua casa. Foi a única mineira que conheci que não gostava de queijo.
Para ela não havia tempo ruim. Também parecia não haver meio termo. Num
primeiro momento, as coisas eram muito belas ou muito feias, muito boas
ou muito ruins. Felizmente as fronteiras entre esses opostos eram
bastante tênues. Quando pintava a paixão, o que era feio se transformava
no belo, o ruim no bom. Algumas vezes radical, era sempre profundamente
generosa e conciliadora. Era um ser gregário, uma colecionadora de
amigos. Por onde passava, deixava rastros. Entre os seus legados deixou
um especial: “um modo Santuza de ser”.
Fui apresentada a Santuza, em 1979, uma socióloga, recém- chegada de
Brasília. Não perdi a oportunidade. Convidei-a para participar da
entidade que estávamos tentando criar: a APSERJ, Associação Profissional
dos Sociólogos do Rio de Janeiro. Rapidamente ela abraçou a causa.
Depois das reuniões, a esticada no Lamas era obrigatória. E nos finais
de semana, as conversas continuavam no Posto Nove. Em 1981, como
representantes da APSERJ, viajamos para Santos para participar da I
Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras, a I Conclat.
Entusiasmada com a militância, Santuza não só entrou para o recente
criado PT, como, durante um bom período, subia as favelas, em busca de
novos filiados.
No Portelão, no prédio onde moramos por mais de 30 anos, criamos uma
comunidade. Ali apresentei Santuza as minhas amigas. Em pouco tempo,
elas se tornaram suas grandes amigas. Éramos todas “comadres”.
Trocávamos açúcar, afeto, fraldas, filhos, choros e risos. Foi ali que
Santuza criou uma frase que se tornou nosso hino de guerra, utilizado
nos momentos de fraqueza do corpo ou da alma: “O Portelão não se rende
jamais!”.
No início da sua vida no Rio, Santuza fazia transcrições de fita,
condução para escola infantil e quase virou cantora profissional. Cantou
em alguns teatros e bares da cidade. Tínhamos uma esperança que algum
empresário a descobrisse e fizesse dela uma estrela.
Em 1983 ela ingressou no Museu Nacional, um marco fundamental. De forma
magistral, conseguiu juntar a música, sua grande paixão, com a
antropologia, sua nova paixão. Assumiu a profissão como uma vocação e
fez dela mais uma paixão. A partir daí Santuza ganhou o mundo. Fez
escola, criou as “santuzetes”.
Quando nos conhecemos, estávamos em momentos complemente diferentes das
nossas vidas. Talvez, e, até mesmo por isso, muitas foram as trocas: eu
iniciando o casamento com Agostinho e Santuza finalizando seu casamento
com Tonico, seu primeiro marido, o pai do Felipe e do Julio. Depois da
separação, vieram algumas paixões. Umas rápidas, outras mais longas.
Todas passageiras.
Foi em 1986 que Santuza, pura paixão, conheceu Paulo, sua alma gêmea,
mas que era pura razão. Ele passou a tomar conta de Santuza de forma
integral. A casa entrou em outro ritmo. Tudo super organizado. Felipe e
Julio passaram a ser, também, filhos do Paulo. Melhor do que ninguém,
ele conseguia controlar as cervejas da Tuzinha: eram apenas três por
noite. Confesso que no início senti ciúmes. Mas Paulo era um poeta
diferente dos que eu havia conhecido: ele lavava louça, consertava
computador, desentupia pia, trocava lâmpada. E o que era melhor: essas
pequenas e fundamentais coisas que ele fazia na casa dele, ele também
fazia na casa das amigas da Tuzinha. Aí Paulo nos conquistou. E aos
poucos fomos descobrindo que Paulo havia vindo para ficar. Seria e, de
fato, foi o maior e definitivo amor de Santuza.
Nos últimos dias, muitos de nós, acordamos e dormimos atormentados por
uma questão: “como é viver num mundo sem Santuza?” Embora a experiência
seja muito recente, já deu para perceber que o mundo sem Santuza é um
mundo menos azul, com menos paixão, pouco violão e, certamente, com
muito menos canção.
Diante de tudo isso só nos resta plagiar Paulo e repetir: para Santuza,
sempre.
Estou
absolutamente chocada com o falecimento de Santuza. Brilhante professora,
pesquisadora, autora e belíssima pessoa da mais alta qualidade humana.
É profunda a minha tristeza.
Profª. Tania Dauster
Departamento de Educação da PUC-Rio
Aos colegas
do departamento de Sociologia e Política envio o sincero pesar pelo
falecimento da Profª. Naves.
Profª. Angela Wagener
Diretora do Departamento de Química da PUC-Rio