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Igreja perde Padre
Felix Alejandro Pastor Piñeiro
Na última segunda-feira, 11 de julho, faleceu, aos 78 anos de idade, no
Rio de Janeiro, o Padre Felix Alejandro Pastor Piñeiro, professor
emérito da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde lecionou
Sacramento da Ordem e o Tratado sobre Deus.
Durante 44 anos, o Sacerdote também trabalhou no Pontifício Colégio Pio
Brasileiro, em Roma, onde foi Diretor Espiritual, Prefeito dos Estudos e
Bibliotecário, orientando os alunos na escolha dos cursos, auxiliando-os
no aprofundamento das disciplinas e na preparação dos exames. Padre
Alejandro atuou também na PUC-Rio e na Faculdade João Paulo II.
Durante seu luminoso ministério de professor, Padre Felix serviu
generosamente à Igreja do Brasil e do mundo, orientando mais de 110
teses doutorais, dentre elas as de inúmeros Bispos, Arcebispos e
Cardeais, como por exemplo, Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São
Paulo, e Dom José Policarpo, Patriarca de Lisboa, além de contribuir
para uma sólida formação de muitas gerações de sacerdotes e leigos.
Todos os anos, o Sacerdote vinha da Europa para o Rio de Janeiro, onde
dava aulas no curso de Teologia da PUC-Rio. Na última quinta-feira, ele
chegou à cidade para ministrar seu curso e durante o final de semana
fazia um retiro espiritual, quando, na manhã do dia 11, não apareceu
para o café. Padre Alejandro foi encontrado sem vida pouco depois das 9h
em seu quarto, na Residência Padre Leonel Franca, dos padres jesuítas,
que trabalham na Universidade.
Padre Felix Pastor era espanhol, nascido no dia 25 de fevereiro de 1933.
Entrou para a Companhia de Jesus (Jesuítas) em 1950 e foi ordenado Padre
no dia 27 de agosto de 1963.
Arquidiocese do Rio de Janeiro
Publicado em
www.arquidiocese.org.br em 12/07/2011
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Felix Pastor, orientador e amigo (1933-2011)
Nós, teólogos brasileiros, perdemos no dia 11 de julho um grande mestre
e amigo. Deixou-nos o padre Felix Pastor, que tinha recém chegado
de Roma para a sua temporada no Rio de Janeiro, onde também lecionava.
Não há como lembrar de sua presença senão com alegria e saudade e hoje,
em especial, muita saudade. Foram inúmeros teólogos brasileiros e
latino-americanos que passamos por sua competente e atenta orientação.
Impressionante a sua capacidade de doação e a argúcia de seu método. Foi
alguém que abriu as portas da Pontifícia Universidade Gregoriana
para muitos dos teólogos pesquisadores que se encontram hoje atuando em
Universidades e Institutos Teológicos no Brasil e tantas outras
localidades. Como bem acentuou o cardeal Aloísio Lorscheider, no
prefácio de obra em sua homenagem, Pastor “é um benemérito da
Igreja universal e, de modo especial, da Igreja que está no Brasil. A
Igreja do Brasil deve muito a este sacerdote zeloso e dedicado.
Várias gerações passaram por suas mãos” (O mistério e a história.
São Paulo: Loyola, 2003).
Tive em particular essa alegria de poder conviver de perto com esse
grande mestre. Um contato que começou quando era estudante do mestrado
em teologia na PUC-RJ, numa época de grande florescimento da teologia,
marcada pela presença de muitos jovens estudantes leigos.
Tinha nascido no período a idéia de trazer Felix Pastor para
ajudar no ensino e na orientação dos estudantes de teologia. Sua vinda
foi celebrada por todos, e assim nasceu uma parceria maravilhosa. A cada
ano, Pastor dedicava um semestre ao ensino na Gregoriana e o outro na
PUC-RJ.
Essa presença no Brasil foi geradora de muitas vocações teológicas.
Muitos de nós, seus alunos na PUC, fomos recebidos por ele com afeto e
alegria na Gregoriana, para os estudos doutorais. E isso também
foi favorecido pela grande sensibilidade de Pastor aos temas candentes
da teologia latino-americana, como a teologia da libertação, as
comunidades eclesiais de base e as pastorais sociais. Estávamos diante
de um teólogo apaixonado pelo tema do Reino e da História.
Num de seus livros, dedicados a esta questão, dizia com segurança:
“Descobrindo a unidade teológica da história dos homens, criados a
participar da salvação escatológica, a Teologia da Libertação
descobre a unidade profunda do temporal e do espiritual, do escatológico
e do histórico, do individual e do comunitário, do religioso e do
político”. A teologia para ele estava diante de uma tarefa nova e
fundamental: armar sua tenda na história dos humanos, sem perder jamais,
a sedução do Mistério. A salvação deixa de ser uma questão extra-terrena
e passa a ocupar o cenário das lutas do dia-a-dia: “A salvação cristã
inclui a realidade do homem novo e da nova terra, em que habita a
justiça. Postular a sua realização e lutar pelo seu advento não é uma
usurpação prometeica, mas uma exigência da ética cristã”. Esse foi o
aprendizado que dele recebemos, e que foi decisivo para as nossas
trajetórias.
Pastor foi também um grande teólogo, possuidor de invejável
cultura teológica, mas que não ficava restrita a esse campo do saber.
Impressionava sua abertura ao universo da literatura, do cinema e da
arte em geral. Sua paixão teológica voltava-se, de modo particular, para
dois grandes clássicos da teologia: Agostinho e Paul Tillich.
A eles dedicou inúmeros cursos, conferências e muitos artigos,
publicados em periódicos reconhecidos internacionalmente. Admirava
igualmente Karl Rahner, e com grande maestria nos ajudava a
desvendar as difíceis e sedutoras entranhas desse grande teólogo alemão.
Não me esqueço de suas brilhantes e instigantes intervenções no
seminário em torno do Curso fundamental da fé, de Karl Rahner,
dado na Gregoriana. Foram aulas que abriram horizontes inesperados para
reflexões futuras.
Nascido na Galícia, em 25 de fevereiro de 1933, entrou para a Companhia
de Jesus em novembro de 1950. Os estudos de filosofia foram realizados
na Universidade de Comillas, a partir de 1954, depois de formação em
Letras Clássicas, Humanidades e Retórica no Colégio de Salamanca. Veio
em seguida, em 1957, a destinação missionária para o Brasil,
instalando-se na Província Jesuítica Goiano-Mineira, na época do padre
João Bosco Penido Burnier.
O noviciado foi realizado em Itaici, São Paulo, e os trabalhos
pedagógicos no Colégio Loyola de Belo Horizonte. Os estudos de teologia
iniciaram-se em 1960, no Colégio Máximo Cristo Rei, em São
Leopoldo (RS), tendo prosseguimento na Alemanha, na Faculdade de
Teologia da Hochschule Sankt-Georgen (Frankfurt/Main), onde concluiu seu
bacharelado, em 1962.
Sua ordenação presbiteral aconteceu em 27 de agosto de 1963, na catedral
de Frankfurt. Motivado pelo então provincial, Marcelo de Azevedo,
foi cursar o doutorado em teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana
(Roma), na época do evento conciliar. A conclusão do doutorado ocorreu
em junho de 1967, com tese orientada por Donatien Mollat, SJ,
versando sobre tema eclesiológico em E. Schweizer. Sua tese foi
publicada em 1968 na prestigiosa coleção Analecta Gregoriana
(vol. 168 – La eclesiología Juanea según E. Schweizer). A partir
de outubro de 1967 ficou responsável pela direção espiritual do
Colégio Pio Brasileiro, em Roma. E também a partir desse ano iniciou
suas atividades acadêmicas na Gregoriana.
Dentre suas inúmeras publicações, destacam-se os livros: Existência e
Evangelho (1973), O reino e a história (1982), Semântica
do Mistério (1982) e a Lógica do inefável (1986 e 1989).
No campo do ensino, dedicou-se em particular aos temas relacionados à
Eclesiologia, ao Tratado de Deus e outras questões teológicas e
ecumênicas. Merece destaque sua atenção à problemática teológica
latino-americana, como bem destacado por Maria Clara L. Bingemer
e Paulo Fernando Carneiro de Andrade: “Sua ligação com a América
Latina e com a teologia produzida deste lado do mundo, juntamente com
sua sensibilidade social e seu profundo sentido de justiça, fizeram
igualmente do Pe. Pastor um exímio especialista e agudo crítico da
teologia latino-americana, tendo ministrado cursos, publicado vários
trabalhos e orientado diversas teses sobre o tema da relação entre
Teologia e Práxis, e sobre as tendências mais atuais da teologia do
continente”.
Pude também encontrar nele um importante apoio em momento delicado de
meu retorno ao Brasil, quando titubeava o processo de autorização
canônica para o meu retorno à PUC-RJ.
Ele veio prontamente em minha defesa, junto com Juan Alfaro,
desanuviando os sombrios horizontes. Essa é uma marca importante na
personalidade de Felix Pastor: o profundo respeito pela reflexão
de seus orientandos. Mesmo que não partilhasse inteiramente das posições
teológicas de seus alunos, incentivava a reflexão mantendo sempre acesa
a imprescindível chama do direito à liberdade de expressão. É um dos
exemplos mais bonitos que pude verificar nessa trajetória de caminhada
comum e que busco manter vivo na experiência com meus alunos.
O toque decisivo de sua atuação estava no dom da orientação acadêmica. É
difícil encontrar um orientador com tamanha capacidade de desbravar
caminhos e horizontes. As dificuldades trazidas por seus orientandos
ganhavam com ele sempre uma solução precisa. Os alunos entravam em seu
gabinete preocupados com o destino de seu trabalho e saíam sorridentes
com as soluções encaminhadas.
Era sobretudo um grande pedagogo, com impressionante experiência nesse
campo de apoio, presença e orientação dos alunos. E essa prática vinha
amparada por muitos anos de experiência com a análise psicanalítica.
Seus cursos de metodologia ficam guardados na memória. Trouxe essa
experiência em aulas memoráveis, sobretudo na PUC-RJ, mas também em
outros centros de estudo como a Faculdades dos Jesuítas (FAJE) e a
Universidade Federal de Juiz de Fora, onde também esteve presente
algumas vezes para falar de sua experiência de orientação acadêmica.
É difícil precisar o número exato de seus orientandos no mestrado e no
doutorado. Foram, certamente, mais de 350 estudantes que passaram por
essa rica experiência. No âmbito do doutorado, foram mais de 90 teses
por ele orientadas, das quais cerca de 55 de alunos brasileiros. Entre
alguns dos doutores que passaram por sua orientação: Álvaro Barreiro
e Alfonso Garcia Rúbio (1972-1973), Mário de França
Miranda (1973-1974), Carlos Palacio (1975-1976), Juan A.R.
de Gopegui (1976-1977), Ênio José da Costa Brito (1978-1979),
Valdeli Carvalho da Costa (1980-1981), Faustino Teixeira e
Antônio Jose de Almeida (1985-1986), Alexander Otten e
Vitor G. Feller (1986-1987), Elias Leone, Maria Clara L.
Bingemer e Paulo Fernando Carneiro de Andrade (1988-1989),
Afonso Murad (1991-1992), Paulo Sérgio Lopes Gonçalves
(1996-1997), Laudelino José Neto (1997-1998), Antônio Reges
Brasil (2000-2001), Marcial Maçaneiro e Paulo César Barros
(2000-2001) e muitos outros.
O bonito é perceber que ele deixou entre nós um exemplo vivo de paixão e
testemunho, de maravilhosa abertura ao Mistério sempre maior. Dele
guardamos o carinho e o largo sorriso, de um orientador, mas sobretudo
um amigo sempre presente. Eu estava particularmente feliz ao poder
reencontrar-me com ele num simpósio internacional de teologia, previsto
para acontecer em setembro de 2011 na PUC-RJ. Não contava os dias para
esse encontro. Infelizmente, esse diálogo adiado para mais adiante. Fico
com a bela imagem de sua presença amiga, regada pela alegria de
encontros maravilhosos, tanto no Brasil como na Itália. Seguindo uma
pista de Walter Rauschenbusch, Pastor deixa-nos como herança “a
graça de ter um coração valente, para que possamos caminhar por esta
estrada com a cabeça levantada e com um sorriso no rosto”.
Faustino Teixeira
Professor no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da
Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF e ex-aluno do Programa de
Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio
Publicado no site
www.ihu.unisinos.br
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