No dia 6 de novembro, fez
um ano da morte do Pe. Fernando Bastos de Ávila, S.J., ocorrida em Belo
Horizonte.
Jesuíta, padre, doutor em
Sociologia, professor, pesquisador, escritor e o melhor amigo de
centenas de pessoas que o conheceram. Não vou me estender sobre sua
produção intelectual, nem sobre suas múltiplas atividades como professor
e conferencista, tão pouco sobre a influência que teve, com seus livros
e artigos, sobre a formação e a atuação da juventude cristã e dos
partidos políticos de centro-esquerda, no Brasil, entre os anos de 1960
e 2000. Quero me restringir ao aspecto do sacerdote, sábio e humano, que
a todos encantava com suas palavras, fina ironia, escritos belíssimos e,
acima de tudo com seu sorriso e olhar – "o espelho da alma". Cada
interlocutor tinha a absoluta certeza de que no momento em que
conversava com o Pe. Ávila, sobre quaisquer assuntos, era apenas ele que
existia para aquele padre, que concentrava toda a sua atenção e
interesse em quem o procurava. Seu olhar impossível de descrever, sua
expressão facial refletia empatia, interesse, expectativa, compreensão,
espanto, total atenção, amor, alegria e tristeza. E quando sorria –
sorria falando - então seu rosto era todo amizade e acolhimento, imagem
do puro prazer do convívio.
Possuidor de perfeita
lógica de raciocínio, exímio operador dos conceitos da filosofia, sabia
explicar, induzir seus alunos e amigos em direção ao prazer da conquista
de conhecimentos. Um sábio que percorria, com desenvoltura, a
sociologia, a história, a antropologia, a psicologia, a teologia, os
temas mais variados do seu tempo que acompanhava pela leitura e pelo
diálogo permanente, numa prática acadêmica e de companheirismo em mais
de meio século de pertinaz testemunho de serviço e de amor ao próximo.
Sacerdote que com carinho
falava de Jesus e de Nossa Senhora com pessoas de todas as idades e das
mais diversas formações intelectuais. O mistério de Deus deixava de ser
mistério e a graça do Amor Divino perpassava o encontro com a
tranqüilidade que a todos seduzia e encantava, criando as condições
próprias para a conversão e a oração. Quando, nas missas, consagrava o
pão e o vinho transfigurava-se em imagem de humilde e respeitosa
comunhão com o sagrado e, então, o som do seu "est", como a
veemência da voz de arauto fiel, proclamando a glória do Redentor e a
certeza da Eucaristia, era ouvido por todos com total emoção de
convencimento do ato central da fé católica, que ali se presenciava.
Para quem era por ele atendido, em suas aflições existenciais,
significava a certeza de receber o esperado abraço, a compreensão e a
companhia amiga, também já angustiado com o problema que lhe estava
sendo apresentado.
Mas não o provocassem, pois
a reação viril e apologeticamente arrasadora se fazia sentir na hora.
Percebia, no mesmo instante, uma maldade embutida num gesto ou numa
palavra e isto não admitia – honestidade nas relações que estabelecia
era o pressuposto da sua vida. Depois se arrependia e não se aquietava
enquanto não pedia desculpas ao interlocutor aturdido pela contundência
da resposta que recebera, como resultado da ousadia que cometera.
Adorava seus muitos amigos
e amigas. Falava da política, das novidades da sociedade, do esporte, da
musica – enternecia-se com a letra do "Chão de Estrelas" e
cantava muito afinado – "... tu pisavas nos astros distraída..."
para logo em seguida reger Carmina Burana ou ficar com os olhos
marejados de lagrimas emocionadas com a Sinfonia a Kreutzer e
dizia: "que diálogo extraordinário..."
Convivi com o Pe. Ávila por
meio século. Foi meu mestre e amigo - me apresentava dizendo com imenso
carinho – (lembranças que me enchem de emoção e imensas saudades), "o
filho que não tive..."
Estou cada vez mais sozinho
com o desaparecimento de queridas amigas e amigos. Restam, cada vez
mais, as lembranças. Numa das ultimas visitas me disse baixinho e
emocionado: "neste estado em que me encontro é mais fácil ficar
calado rezando..., me preparando para o grande e definitivo
encontro...".
Sorrindo, com os olhos
brilhando de alegria, partiu para a experiência definitiva da eternidade
que dizia ser, com convicção contagiante: "a incomensurável
felicidade da contemplação de Deus na sua plenitude instantânea".