:: Três memórias sobre Paulo de Assis Ribeiro* e seu
papel na institucionalização da área de Planejamento Educacional no Mestrado
Há 43 anos, o processo de institucionalização da
Pós-Graduação em Educação deu-se na PUC-Rio através da estratégia
política de se iniciar um curso "lato-sensu" de Especialização; a fim de
se consolidar paulatinamente seus quadros docentes e sua proposta
curricular; com a gênese mais à frente do curso de Mestrado. Com efeito,
em abril de 1965, o Diretor da Faculdade de Filosofia, o jesuíta húngaro
Pe. Antonius Benkö, que era também consultor do MEC, articula um
convênio com a Diretoria do Ensino Secundário e a CADES (Campanha de
Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Secundário) para promoção do Curso
de Especialização em Planejamento da Educação Brasileira. |
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Naquele momento, o contexto político-ideológico de uma Especialização em
Planejamento Educacional era bastante conflituoso. De um lado, no âmbito do
INEP / MEC predominava o "Social Demand Approach" da UNESCO e de sua Missão
Técnica no Brasil, propondo uma política descentralizada, a partir dos
CEOSEs (Colóquios Estaduais de Organização do Sistema de Ensino). De outro
lado, o viés econômico do "Manpower Approach" predominava no recém-criado
IPEA - Instituto de Planejamento Econômico Aplicado/ MINIPLAN - considerando-se
a área educacional como um substrato da economia. Embora tendendo mais à
abordagem da UNESCO e do INEP, o Curso de Especialização em Educação da PUC-Rio
agregou igualmente aportes da Economia da Educação, através de dois
consultores da CAPES: José Zacharias Sá Carvalho e Paulo Horta Novaes (este
também vinculado à PUC, criador do IAG e assessor da Reitoria,), além do
economista Isaac Kerstenetizty, da FVG mas também docente na PUC. Mas foi
Paulo de Assis Ribeiro quem melhor promoveu os diálogos entre as abordagens
sócio-demográficas e econômico-financeiras na área de Planejamento
Educacional no Mestrado da PUC-Rio. Com efeito, o papel central de Paulo de
Assis Ribeiro no incipiente Mestrado em Educação consolidou-se por sua
estreita vinculação à Reitoria da PUC, para quem elaborara em 1963 o
diagnóstico técnico "Reforma das Estruturas da PUC-Rio", e se materializou
mais ainda em 1969-1970, através do "Plano Diretor da Reforma da PUC-Rio",
inclusive agregando diversos pós-graduandos do incipiente programa de
Mestrado.
Três memórias sobre Paulo de Assis Ribeiro: do congresso estudantil em
1963; aos impactos do Ato Institucional nº 5 na PUC; e à coordenação da área
de Planejamento Educacional em 1970.
1 - Minha primeira memória de Paulo de Assis Ribeiro deu-se no incandescente
período político de 1962-1963, como presidente do Diretório Acadêmico
Jackson Figueiredo, da Faculdade de Filosofia da PUC. No início de 1963,
programávamos a "Semana Social sobre a Realidade Brasileira", fervilhante
programação de debates que lotava o antigo ginásio esportivo da PUC. Uma
equipe de representantes dos Diretórios Acadêmicos da PUC reuniu-se com
Assis Ribeiro, em sua casa em Botafogo. Mas "o que é a realidade brasileira?"
insistia sempre . Ai, a cada resposta cheia de certezas dada pelos
dirigentes estudantis, como que maiêuticamente Assis Ribeiro retrucava com
uma bateria de dados estatísticos sobre a economia, a geografia, a educação,
etc, diagnosticando, a partir de suas densas bases empíricas, complexas
equações envolvendo tantas outras facetas e implicações, muito além das
nossas sumárias interpretações político-ideológicas. Este primeiro diálogo,
iniciado às 20 horas de um dia, teve a duração de seis horas de dúvidas e
questionamentos. Marcou indelevelmente a figura do intelectual que foi Assis
Ribeiro. Antes de ingressar como docente na PUC em 1965, acompanhei, através
da revista SPES: Síntese Política, Econômica e Social, da PUC-Rio, diversos
estudos de Assis Ribeiro na equipe coordenada pelo sociólogo jesuíta
Fernando Bastos de Ávila, mentor de iniciativas sobre o Solidarismo no
Brasil, como uma possível terceira via brasileira entre o Capitalismo e o
Socialismo.
2 - Minha segunda memória de Assis Ribeiro dá-se sobre seu papel na
formulação do Plano Diretor da PUC-Rio em 1968-1970, e as estreitas
vinculações que tivemos seja como Diretor do recém-criado Departamento de
Educação, em especial pela integração de três jovens docentes da Pedagogia -
Ana Waleska, Rosina e Stella - na equipe de Planejamento do Plano Diretor,
seja pela sua crescente importância como o principal professor da área de
Planejamento Educacional no Mestrado. Apesar de suas inúmeras ocupações, as
aulas de Assis Ribeiro eram calcadas em apostilas escritas previamente, e
que constituíram um importante acervo de material técnico submetido ao CNPq
e ao Conselho Federal de Educação em 1970, no processo de credenciamento do
primeiro Mestrado em Educação no Brasil. Entretanto, será nos primeiros
meses de 1969, em função dos impactos provocados pelo Ato Institucional nº
5, de 13 / 12 / 1968, que a figura humana de Assis Ribeiro fica
profundamente marcada em minha memória. Diversos dirigentes do Centro
Técnico Científico da PUC, também docentes do Instituto Militar de
Engenharia (IME) levaram ao Conselho Universitário a moção de que a PUC-Rio,
por ser beneficiária de recursos federais do MEC, CNPq, FINEP, etc, deveria
cumprir o artigo 6º do AI 5, suspendendo os contratos de docentes e
pesquisadores que já haviam sido previamente punidos em suas estabilidade e
vitaliciedade na UFRJ. Foi um sessão memorável do Conselho Universitário, no
qual era o representante docente eleito pelo CTCH. Diante de tamanha tensão
político-ideológica nos debates entre os integrantes do Conselho
Universitário, o então Reitor - Padre Laércio Dias de Moura, que gabava ser
"um genuíno representante político do PSD mineiro" - tenta evitar a ebulição
completa no Conselho Universitário, promovendo uma pausa para café. A
suspensão da reunião apenas acirrou mais ainda os ânimos dos conselheiros.
Neste momento, procuro o Prof. Paulo de Assis Ribeiro, que em seguida
falaria sobre o projeto do Plano Diretor da PUC, instando-o a opor-se ao
voto de censura dos favoráveis à aplicação do AI 5 na PUC. Neste ato, Assis
Ribeiro respondeu-me: "Professor, meu pai era diretor da Rede Ferroviária
Nacional no Governo Getúlio Vargas, quando o Presidente Vargas orientou-o a
afastar um técnico, por motivação política. Meu pai, sim, é quem se demitiu.
Igualmente, eu me afastarei da PUC, se for aprovada a aplicação aqui do AI -
5".
Quando a sessão do Conselho Universitário é retomada, Assis Ribeiro inicia a
sua exposição sobre o Plano Diretor usando o retroprojetor para reproduzir
na tela um foco enorme de luz, e comentar: "a Doutrina Social da Igreja é
como este foco de luz: há posições mais centrais, mais à esquerda e à
direita; acima ou abaixo. Entretanto, desde que esteja dentro deste foco de
luz, está de acordo com a DSI. Não há, portanto, condição de se afastar um
professo e pesquisador da PUC por razões do Ai - 5, sempre que suas opções
políticas se coloquem dentro do foco abrangente da Doutrina Social da Igreja".
Em minha vida profissional, foi um dos momentos mais marcantes de uma
personalidade que aprendi a admirar.
3 - Minha terceira memória sobre Paulo de Assis Ribeiro ocorre em 1970,
quando uma equipe bastante politizada de mestrandos se opõe à linha de
Planejamento da Educação desenvolvida pelo mestre, a partir de sua leitura
bastante técnica das articulações entre as abordagens "Social Demand
Approach" de bases sócio-demográficas, e "Manpower Approach" articulada às
concepções de formação de recursos humanos.
Vivíamos então a plena efervescência do movimento estudantil desencadeado em
1968, pela passeata dos 100 mil em protesto às invasões dos "campi"
universitários (apenas o campus da PUC sofrera três invasões do PARASAR), e
ao incipiente pensamento marxista no mundo acadêmico através da Teoria da
Dependência. O núcleo mais politizado dos mestrandos da área de Planejamento
Educacional questionava a orientação técnico-metodológica de planejamento
desenvolvida por Assis Ribeiro. Em nossos diálogos no segundo semestre de
1970 - ele como docente, eu como coordenador de estudos da área de
Planejamento - lembrava-me dos primeiros diálogos tidos com Assis Ribeiro em
1963: quão complexa é a equação da assim chamada "realidade brasileira", e
como responder a esses diagnósticos e proposições através do planejamento
educacional, face à urgência dos pós-graduandos por reformas estruturais
aqui e agora no Brasil. Mas lá estava o pesquisador socioeconômico, buscando
bases mais sólidas de alternativas embasadas em conhecimentos mais
objetivados. Lá estava Assis Ribeiro, um "guru" da Terceira Via, do
Solidarismo, um desenvolvimentista da cepa de Celso Furtado, amparado por um
corpo de conhecimentos científicos não redutíveis a fórmulas ideológicas
simplificadoras, mas buscando sempre uma sólida empiria para o
desenvolvimento do planejamento educacional.
Sem dúvida, Assis Ribeiro foi um grande mestre!
A ele devemos um sólido desencadear da área de Planejamento Educacional no
Mestrado de Educação, tanto quanto a própria PUC-Rio muito lhe deve pela
formulação do I Plano Diretor da Universidade desenvolvido entre 1968-1970.
Prof. José Carmello Braz de Carvalho
Departamento de Educação
Setembro de 2007
* Como referência biográfica sobre
Paulo de Assis Ribeiro, pode-se consultar "Apontamentos sobre a Vida e a
Obra de uma Apóstolo do Humanismo e da Cultura" , de C. J. de Assis
Ribeiro. Rio: 1975, Edit IBGE, 249 p.
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