Publicações do Núcleo de Memória da PUC-Rio

:: O discurso e a censura - série Crônicas de Memória - Para não esquecer; artigo publicado em 20/05/2014,  edição 281 do Jornal da PUC


Alberto Dines lê o seu discurso na formatura realizada no antigo ginásio da PUC-Rio. Na mesa o Reitor Pe. Laércio Dias de Moura S.J., o Decano do CTCH Pe. Ormindo Viveiros S.J., o Diretor do Departamento Prof. Walter Ramos Poyares e os professores Arnaldo Niskier e José Henrique de Carvalho. 20/12/1968. Fotógrafo desconhecido. Acervo pessoal de Alberto Dines.

Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Máx.: 38º, em Brasília. Mín.: 5º, nas Laranjeiras. (Jornal do Brasil, 1ª página, 14/12/1968. Texto publicado no box que usualmente trazia os dados meteorológicos.)

Em 20/12/1968 houve a formatura da primeira turma do curso de Jornalismo da PUC-Rio que se graduou em separado à Faculdade de Filosofia. Consolidava-se a Reforma Universitária; haviam sido criados na Universidade os departamentos, entre eles o de Comunicação Social.

A turma, formada em plena ditadura, refletiu o seu tempo em suas escolhas: o patrono da turma foi Dom Helder Camara, figura de destaque pelo enfrentamento à ditadura e que fora professor da PUC-Rio. O paraninfo foi o jornalista Alberto Dines, professor do curso de Jornalismo desde 1963, no qual criou as disciplinas de Jornalismo Comparado e de Teoria da Imprensa. Era então editor-chefe do Jornal do Brasil (JB), trabalhara, entre outros, no jornal Última Hora e na revista Manchete. Desde 1994 dirige o Observatório da Imprensa.

Na noite em que foi anunciado o AI-5, em 13/12/1968, militares ocuparam as redações dos jornais para implantar a censura prévia. No JB revisaram as provas do jornal na sala do editor-chefe, Dines. No entanto foi impressa uma edição diferente da aprovada, propositalmente estranha, para “avisar ao leitor” de que havia algo errado: classificados invadiram as páginas do primeiro caderno, fotos apareceram fora de contexto. Em consequência, o jornal foi proibido de circular no dia 15/12/1968. Logo os jornais assumiram com o Governo um compromisso de autocensura com consequências até mais insidiosas do que a censura explícita e externa, ao introjetar nos jornalistas restrições que só ao longo dos anos foram rompidas.

O convite a Alberto Dines para ser paraninfo ocorrera muito antes da edição do AI-5. Agentes do Serviço Secreto da Marinha estiveram presentes durante a cerimônia de formatura e gravaram o discurso no qual Dines criticava duramente a censura aos jornais. Dois dias depois ele foi chamado a depor na Polícia Federal e preso na Vila Militar por alguns dias. A formatura foi registrada normalmente nos eventos no Anuário da PUC-Rio de 1968 e uma foto, com Dines na mesa ao lado do Reitor, publicada na seção sobre o Departamento de Comunicação Social.

 Nem sempre as cerimônias de formatura são previsíveis e com significados restritos ao universo acadêmico.

Clóvis Gorgônio
Núcleo de Memória da PUC-Rio
 

 

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
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