Publicações do Núcleo de Memória da PUC-Rio

:: Anchieta, o filme - série Crônicas de Memória - Para não esquecer; artigo publicado em 10/06/2014,  edição especial do Jornal da PUC sobre o Padre José de Anchieta S.J.


Cartaz do filme Anchieta, José do Brasil, lançado em 1978.
Capa do DVD comercial, Versátil Home Video.

Em 22 de junho de 1980 o Padre Anchieta foi beatificado pelo Papa João Paulo II, uma das etapas do processo de canonização efetivado em 2014. A PUC-Rio iniciou as comemorações da beatificação em 9 de junho de 1980, Dia Nacional de Anchieta, instituído em 1965 pelo Presidente Castelo Branco. Houve eventos artísticos e acadêmicos, como palestras e a exibição de filmes seguidos de debates.

Um dos filmes foi “Anchieta, José do Brasil”, de Paulo César Saraceni, exibido no Cine Rio Sul, pequeno cinema que existia no Shopping da Gávea. Estiveram no debate professores dos departamentos de História, Letras e Comunicação Social, e o Reitor Pe. João Augusto Mac Dowell S.J.


Debate após a exibição do filme. Na foto os professores Luis Felipe Ribeiro (LET), José Luiz Werneck da Silva (HIS), Miguel Pereira (COM), o Reitor Pe. João Augusto Mac Dowell S.J. e o Pe. Javier Perez Enciso S.J. Fotógrafo Antônio Albuquerque. Acervo do Núcleo de Memória.


Saraceni fora um dos proponentes do Cinema Novo, tendo filmado o longa “O Desafio” no calor do momento, logo após o Golpe de 1964. O diretor o considerava “um filme-guerrilha”[i]. Nos anos seguintes e especialmente após o AI-5 o cinema sofreu com a Censura. Filmes foram impedidos de serem exibidos ou mutilados.

Em 1969 foi criada a Embrafilme, que financiava a produção nacional e tentava enquadrá-la às diretrizes do Governo federal: ênfase em temas nacionais, na imagem positiva do Brasil, evitando-se temas controversos e de crítica às instituições. Neste contexto o filme-símbolo foi “Independência ou Morte”, de 1972, que reforçava a figura de Dom Pedro I como herói nacional, sempre em roupas militares. Este filme foi sucesso de público e elogiado pelo Presidente Médici[ii].

A Embrafilme criou uma verba específica para o financiamento de filmes históricos, cujos roteiros teriam que ser aprovados pelo MEC. A produção de “Anchieta, José do Brasil”, iniciada em 1975, recebeu recursos superiores à média dos filmes brasileiros à época e gerou muitas expectativas. A figura de Anchieta, o “Apóstolo do Brasil”, visto como construtor da nacionalidade e da integração harmônica entre brancos, negros e índios, era valorizada pelo regime político vigente.

Saraceni faz um “poema épico em que se misturam história, mitologia e lendas.”[iii] Disse ter se inspirado no religioso espanhol dom Pedro Casaldáliga, radicado no Brasil e ligado à Teologia da Libertação[iv]. Para o papel-título Saraceni escolheu o ator Ney Latorraca, que fazia então sucesso nas novelas da TV. Queria atrair o grande público, embora não fizesse concessões na linguagem cinematográfica: o filme tem 140 minutos, com longas cenas contemplativas, alegóricas e com montagem não-linear, características do Cinema Novo.

O filme não teve o sucesso de público esperado e recebeu muitas críticas, mas principalmente não teve o apoio oficial para divulgação que se previa, com larga distribuição e exibições em escolas: não era a “história como se queria”[v], era um Anchieta “catequizado pelos índios, em vez de catequizador”[vi], a inversão do papel do colonizador frente ao colonizado. Nas universidades o filme foi discutido num contexto em que se iniciava o processo de redemocratização, com a Anistia e a reestruturação do sistema partidário.

Uma releitura do filme hoje permite identificar o que permanece e o que muda nas relações entre arte, Estado, história e construção de identidades, e entender o que significava a produção de um filme histórico naquele momento vivido pelo Brasil.

Clóvis Gorgônio
Núcleo de Memória da PUC-Rio

Agradecemos a colaboração do Prof. Miguel Pereira (COM)


A atriz Beth Mendes e o ator Ney Latorraca fazem leitura de textos de José de Anchieta em evento no auditório do RDC. 16/06/1980. Fotógrafo Antônio Albuquerque. Acervo do Núcleo de Memória.

Referências Bibliográficas:

FLECK, Eliane Cristina Deckmann, MATOS, Fernanda Uarte de. Anchieta, José do Brasil: cinema, representação e memória em tempos de ditadura militar. In: Em Tempo de Histórias - Publicação do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília - PPG-HIS, n. 16, Brasília, jan./jul. 2010, pg. 107-130. ISSN 1517-1108. Disponível em: < http://seer.bce.unb.br/index.php/emtempos/article/download/2552/2106 >. Acesso em 22 mai. 2014.

LIMA, Carlos Adriano Ferreira de. Quando nós somos os outros: Hans Staden e a cultura histórica. Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, da Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Orientadora: Profa. Dra. Regina Maria Rodrigues Behar. 2008. Disponível em: <http://www.cchla.ufpb.br/ppgh/2008_mest_carlos_lima.pdf>. Acesso em 22 mai. 2014.

PINTO, Carlos Eduardo Pinto de. Sob o signo da ambiguidade: uma análise de Anchieta, José do Brasil. In: Revista Significação, v. 40, nº 40, São Paulo, USP, 2013. pg. 74-95. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/significacao/article/viewFile/71672/74789>. Acesso em 22 mai. 2014.


[i] SARACENI, Paulo César. Por dentro do cinema novo: minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 187 apud FLECK; MATOS, 2010, p. 113.

[ii] LIMA, 2008. p. 73.

[iii] WYLER, Vivian. “Anchieta”, a estréia de amanhã. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 mar. 1979. Caderno B, p. 1. Disponível em: <http://memoria.bn.br>. Acesso em 22 mai. 2014.

[iv] SARACENI, Paulo César. Por dentro do cinema novo: minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 187 apud PINTO, 2013, p. 120.

[v] BERNARDET, Jean-Claudet. Anos 70 – Cinema. Rio de Janeiro: Europa, 1980, p. 52 apud LIMA, 2008. p. 73.

[vi] SARACENI, Paulo César. Por dentro do cinema novo: minha viagem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. p. 187 apud FLECK; MATOS, 2010, p. 119.

 

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