
Desenho da apostila sobre Mecânica Física com Martins
e eu, escrita por Pierre Lucie e ilustrada por
Henfil para alunos do Ensino Médio. LUCIE, P.H. e HENFIL.
Física com Martins e eu. Rio de Janeiro: Raval Artes
Gráficas, 1969.
“De uma forma ou de outra, ele sempre me fazia descobrir a
resposta que eu procurava.”
O relato acima refere-se a Pierre Henri Lucie, matemático,
físico e professor fundador do Instituto de Física,
posteriormente, Departamento de Física da PUC-Rio. O trecho
sublinha o traço pelo qual é lembrado e celebrado nos
depoimentos daqueles que querem homenageá-lo: ser um grande
educador.
As notas biográficas registram a trajetória incomum deste
francês da Gasconha, formado em Filosofia e Matemática pela
Universidade de Toulouse. Em 1937, Pierre Lucie ingressou na
Escola Militar de Saint-Cyr, criada por Napoleão Bonaparte
para formar o oficialato francês e, como oficial, foi feito
prisioneiro durante a 2ª Guerra Mundial. No período de
cativeiro, dedicou-se ao estudo da Física o que lhe
proporcionou um diploma de graduação na área após o fim do
conflito, primeiro reconhecimento de uma série como o título
de Chevalier da Legião de Honra, recebido das mãos do
general Charles de Gaulle pelos serviços prestados à França
e à Ciência.
Em 1945, emigrou para o Brasil. Enquanto aguardava os
documentos que permitiriam o exercício profissional no país,
trabalhou como motorista de caminhão no transporte de açúcar.
Ainda nos anos 1940, convidado por professores franceses,
começou a lecionar Física nos colégios Santo Inácio e Rio de
Janeiro e, posteriormente, fundou um curso preparatório para
os exames de vestibular, o Curso PH.
No Colégio Santo Inácio conheceu o pe. Francisco Roser S.J.
e foi convidado, em 1959, a criar com o jesuíta o Instituto
de Física da PUC-Rio, IFUC. Na Universidade Pierre Lucie foi
um dos idealizadores e primeiro coordenador do Ciclo Básico
do CTC operante já em 1961 com o nome de “Curso Fundamental”
e formalizado pela Instituição pouco antes da Reforma
Universitária oficializada pelo MEC, em 1968.
A experiência ainda germinal de centralizar e planificar a
coordenação das disciplinas consideradas básicas no ensino
das ciências na PUC-Rio levou Pierre Lucie a participar, em
1963, da reformulação do ensino da Física nos Estados Unidos
como membro do Physical Sciences Study Committee
desenvolvido no Massachussets Institute of Technology. O
modelo foi implementado na PUC-Rio no mesmo ano e na
Universidade de Brasília, em 1965.
Sua convicção sobre a importância da dedicação de docentes e
pesquisadores ao ensino fez dele membro atuante da Comissão
de Especialistas em Ensino de Ciências do MEC, responsável
pela organização curricular do Ciclo Básico universitário em
todo o país, nos anos 1970. Na mesma época, Pierre Lucie
teve participação decisiva na reformulação do ensino de
Física no Instituto Gleb Wataghin, da Universidade de
Campinas.
Simultaneamente, produziu uma extensa e importante obra de
caráter didático voltada para o ensino universitário e médio,
chamado na época de Ensino Secundário. O gibi Física com
Martins e eu marcou época. Escrita em parceria com o
cartunista Henfil, a apostila sobre Mecânica trazia o
personagem Martins, um aluno curioso e contestador que
duelava com maestria com seu professor, situação sempre
provocada por Pierre Lucie em suas aulas.
Foram alguns desses Martins – estudantes
secundaristas atraídos pelas aulas posteriormente graduados,
pós-graduados na área e feitos pesquisadores e professores
do quadro principal do CTC da PUC-Rio – que, em 1986,
batizaram os Laboratórios de Ensino de Física com o nome de
Professor Pierre Henri Lucie, falecido no ano
anterior.
A homenagem é precisa como convém aos físicos formados nos
ambientes dos laboratórios de pesquisa da Universidade e
cientes da importância na sua formação acadêmica das
aulas-laboratório do inventivo e provocativo professor que
escolhia sempre o caminho da empiria e do diálogo com os
alunos para a construção do conhecimento científico. Era
esse o objetivo por trás, por exemplo, das aulas realizadas
no Planetário da Gávea ou do imenso pêndulo amarrado nas
alturas dos auditórios do IFUC e posto a oscilar em meio aos
estudantes: instigar questões e induzir pela experimentação
a formulação dos conceitos fundamentais da Física. Sem
mortos ou feridos e com as cabeças enfim a salvo, alunos do
CTC e de outros Centros igualmente atraídos pelas aulas
espetaculares, podiam perceber o potencial da conjunção
entre teoria e empiria para a construção dos saberes
científicos e a maneira pela qual a física transformava-se
em um campo de experimentação riquíssimo para aqueles que,
como o ex-aluno cujo relato abre essa crônica, vivenciassem
em suas práticas docentes e de pesquisa uma assertiva do
velho professor dirigida aos “humanistas e cientistas da
PUC-Rio” e proferida na Aula Inaugural do ano letivo de
1966: “A aventura das ciências começa sempre na curiosidade
humana.”
Silvia Ilg Byington e Priscila Sobrinho de Oliveira
Núcleo de Memória da PUC-Rio |