
Operários e máquinas do Cotonifício Gávea.
1936.
Fotógrafo desconhecido. Acervo Sr. John Raschle.
Uma onda aristocrática arrebentou na Gávea em 1933. No domingo de 6 de
agosto Mossoró conquistava o primeiro Grande Prêmio Brasil
de turfe. Da tribuna de honra do Jóquei Clube o chefe do
Governo Provisório, Getúlio Vargas, aplaudiu a proeza do
puro sangue inglês. Em 1º de outubro Manuel Teffé, com seu
Alfa Romeo, completou o Circuito da Gávea com a assombrosa
velocidade média de 67 quilômetros por hora e ganhou o 1º
Prêmio Cidade do Rio de Janeiro de automobilismo. Aflitos,
os operários encaravam aquilo tudo com certa desconfiança. A
tradição operária da Gávea resistiria a essas novidades?
A vocação fabril do bairro remonta ao final do século XIX, quando o Rio de
Janeiro experimentou um surto industrial que fez da
Freguesia da Gávea uma das áreas mais industrializadas da
cidade. As primeiras fábricas foram a Fiação e Tecidos
Corcovado, a Companhia de Fiação e Tecidos Carioca, a
Fábrica de Chapéus do Braga e a Fábrica de Malhas São Félix,
essa última localizada na Rua Marques de São Vicente,
fábrica que posteriormente passou a chamar-se Cotonifício
Gávea.
Com a industrialização vieram os operários. Muitos deles, acompanhados de
suas famílias, foram viver próximos ao local de trabalho,
pois era comum que as fábricas tivessem, em seus próprios
terrenos, moradias para seus funcionários. As casinhas da
Vila dos Diretórios da PUC-Rio são vestígios dessas
construções. A proximidade entre a fábrica e a moradia
permitia, por parte dos patrões, ampliar o controle e impor
disciplina.
Porém os operários resistiram e criaram alternativas àquele domínio.
Agremiações recreativas como o Clube dos Trabalhadores da
Carioca organizavam bailes onde era possível escapar aos
olhos vigilantes do patrão. Não tardou para que a busca por
um par de dança desse lugar à busca por direitos. No avançar
das duas primeiras décadas do século XX, greves e outros
movimentos que reuniam operários, que defendiam os
interesses da classe e, por isso, eram vistos como
seguidores de orientações comunistas renderam à região o
nome de Gávea Vermelha.
Na década de 1930, contudo, a região passou a adquirir mais
rapidamente ares burgueses. Para os operários, o ano de 1933
em especial veio mesmo para cravar-lhes aflições nos peitos.
Enquanto a Gávea se aburguesava, Noel Rosa lançava Três
apitos, canção que conta a paixão não correspondida de
um poeta ciumento por uma indiferente tecelã. Os versos
“Quando o apito/ Da fábrica de tecidos/ Vem ferir os meus
ouvidos/ Eu me lembro de você/ Mas você anda/ Sem dúvida bem
zangada/ E está interessada/ Em fingir que não me vê”,
mostram que a lógica da fábrica pautava não apenas o
universo do trabalho, mas também o mundo privado dos afetos
e, por certo provocavam, em não poucos trabalhadores fabris,
suspiros que iam se esvaecer por entre o barulho das
máquinas. Definitivamente 1933 foi um ano de angústia para
os corações operários da Gávea. Incluídos os apaixonados.
Roberto Cesar Silva de Azevedo
Aluno do Programa de Pós-Graduação em
História Social da Cultura do Departamento de História da
PUC-Rio
Pesquisador do Núcleo de Memória da PUC-Rio