
O público observa atento as baratinhas posicionadas para a
largada da corrida na rua Marquês de São Vicente. 1936.
Fotógrafo desconhecido. Acervo Agência O Globo.
As ruas que cortam a Gávea são diariamente tomadas por veículos que
disputam espaço com pedestres no trânsito do bairro. Nas
décadas de 1930 a 1950 elas também foram palco de um esporte
moderno de grande popularidade à época, as corridas
automobilísticas que congregavam pilotos, amantes da
velocidade, espectadores e curiosos em torno das baratinhas,
como eram conhecidos os carros de corrida.
Entre os anos de 1933 e 1954 foram disputadas no Circuito da Gávea um
total de 16 provas, com carros das mais variadas escuderias
e pilotos como Chico Landi, Manuel de Teffé e Irineu Corrêa,
o primeiro piloto brasileiro a ganhar uma prova
automobilística no exterior, em 1920, nos Estados Unidos. O
sucesso do circuito foi tamanho que chegou a atrair pilotos
estrangeiros de renome como o italiano Carlo Pintacuda e o
argentino Juan Manuel Fangio, que disputou o Grande Prêmio
da Cidade do Rio de Janeiro de 1952, logo após conquistar o
seu primeiro campeonato na Fórmula 1.
Hoje as ruas asfaltadas e sinalizadas no entorno do campus da
PUC-Rio na Gávea encobrem parte da história do Circuito. Os
seus mais de onze quilômetros de extensão expunham o risco
que o esporte oferecia. A largada era realizada na rua
Marquês de São Vicente em frente ao portão do Solar
Grandjean de Montigny, onde a multidão aglomerava-se diante
da Padaria e Confeitaria Sport. Os carros desciam até
a sede do Jockey Club Brasileiro, percorriam a avenida
Visconde de Albuquerque no Leblon, subiam a sinuosa avenida
Niemeyer e completavam o circuito pela Estrada da Gávea até
o ponto de largada. A velocidade média das baratinhas era de
90 km/h e, para completar a prova, os pilotos davam de 20 a
25 voltas. Os prêmios para os primeiros colocados eram em
dinheiro.
Eram precárias as condições de segurança dos pilotos que precisavam
desviar dos trilhos dos bondes e dos paralelepípedos,
percorrer trechos de terra batida e fazer curvas sinuosas no
decorrer do circuito. As ultrapassagens eram muito
perigosas, sobretudo no trecho da Niemeyer, pois de um lado
há um paredão rochoso e do outro um penhasco sobre o mar. O
público que acorria de toda a cidade para o espetáculo se
amontoava nas ruas sem nenhuma proteção. Muitos acompanhavam
a prova das janelas dos sobrados e em cima das árvores. Os
repórteres das rádios ficavam espalhados por todo o circuito
para cobrir cada trecho da corrida. O Grande Prêmio de 1935
ficou marcado por um acidente fatal. O piloto Irineu Corrêa
perdeu o controle do seu carro, subiu no meio fio, bateu em
uma árvore e caiu no canal da Visconde de Albuquerque.
O automóvel no século XX era expressão de um estilo de vida moderno,
símbolo de um novo tempo que valorizava a velocidade e a
mobilidade e se adaptava ao ritmo frenético das grandes
cidades que se expandiam. As ruas que cortam o entorno do
campus são testemunhas de uma época na qual o
automobilismo tinha grande popularidade entre fãs e
admiradores das corridas. O Circuito da Gávea contribuiu
para a divulgação do esporte no Brasil, para inscrever o
nome do país na rota das competições internacionais e para
que muitos dos que não circulavam habitualmente pela Gávea
conhecessem melhor o bairro em que a Universidade crescia.
Eduardo Gonçalves
Mestre em História Social da Cultura
Pesquisador do Núcleo de Memória da PUC-Rio