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Falecimento do Professor Ricardo Benzaquen de Araújo (HIS)

06/02/2017

(Data de falecimento 01/02/2017)

É com muita tristeza que comunico o falecimento do nosso querido amigo e professor do Departamento de História desde meados dos anos 1970, Ricardo Benzaquen de Araújo.

O sepultamento será hoje, dia 02/02/2017, às 14:30h no Cemitério Israelita do Cajú.

Prof. Marcelo Gantus Jasmin, diretor do Departamento de História

Veja aqui uma galeria de fotos com o Prof. Benzaquen.

O Jornal da PUC publicou em seu site uma matéria sobre o Prof. Benzaquen.

Mensages recebidas sobre o Prof. Ricardo Benzaquen:

Prezado Prof. Marcelo,

Quero manifestar meus sentimentos pelo falecimento de nosso querido Prof. Ricardo Benzaquen, que compartilhou conosco durante muitos anos os seus conhecimentos em história, com competência e seriedade. Ele sempre será lembrado não só como professor e pesquisador, mas também como uma pessoa que procurou participar das inúmeras atividades na PUC-Rio, com simplicidade e grandeza de coração. Que lá na pátria celeste onde ele viverá eternamente, certamente estará intercedendo por nós e pela PUC-Rio que ele tanto gostava.

Meu abraço fraterno e solidário a você e a todos os professores e funcionários do Departamento de História.

Pe. Josafá Carlos de Siqueira S.J., Reitor da PUC-Rio

 

As minhas orações pelo nosso querido Prof. Ricardo Augusto e família.

Que descanse em paz!

Pe. Francisco Ivern S.J., Vice-Reitor da PUC-Rio

 

Em nome da Vice-Reitoria Acadêmica, venho manifestar sinceros sentimentos e prestar solidariedade aos familiares e amigos do Prof. Ricardo Benzaquen de Araújo.

Benzaquen deixa uma grande lacuna no Departamento de História e na PUC-Rio.

Prof. José Ricardo Bergmann, Vice-Reitor para Assuntos Acadêmicos

 

É com muito pesar que recebemos a notícia do falecimento do nosso colega do Departamento de História, Prof. Ricardo Augusto Benzaquen de Araujo.

Nossa solidariedade à família, e a certeza de que a sua contribuição para a área de Ciências Sociais, em particular em nossa Universidade, é inestimável.

Prof. Júlio Cesar Valladão Diniz, decano do CTCH

 

Em nome do CTC, quero externar nossa solidariedade à família e ao Departamento de História pela inestimável perda do grande professor e querido amigo.

Pessoalmente, tive o privilégio de poder conviver um pouco mais de perto com o Ricardo que, além de colega, foi orientador de minha filha e pai de suas melhores amigas. Para as "meninas", vai o meu carinho e a certeza de que podem sempre contar conosco.

Prof. Luiz da Silva Mello, decano do CTC

 

Tive o privilégio de ser aluno, nos anos 70, de Ricardo Benzaquen, num tempo em que estudar História era também uma forma de defender a vida, não sem um certo tremor, naquele momento político tão crítico do país. As aulas de Ricardinho eram uma usina de produção de pensamento e de resistência a tudo o que sempre impedia o livre curso da reflexão crítica, algo que certamente permanece no arquivo afetivo e intelectual de seus alunos.

Com sua amabilidade e camaradagem, respeitado e querido por todos, brilhante professor e pesquisador, Ricardinho personificava a dignidade do trabalho intelectual. Manifesto aqui a minha solidariedade a seus familiares, amigos mais próximos e aos seus colegas do Departamento de História.

Prof. Paulo Cesar Duque Estrada, Coordenador Central de Pós-Graduação e Pesquisa

 

O Departamento de História, seus alunos, ex-alunos, funcionários e professores viveram ontem, dia 01 de fevereiro, um dia de muita tristeza com a morte do Prof. Ricardo Benzaquen.

O Centro de Ciências Sociais (CCS) perdeu um de seus grandes colaboradores.

A PUC-Rio deixa de contar, em seu dia a dia, com um quadro intelectual brilhante e com alguém que, desde os tempos em que foi aluno do Departamento de História e a cada um dos muitos anos em que fez parte do corpo docente da Universidade, foi capaz de pensar a Universidade como um todo e comprometer-se com ela.

O país perdeu ontem um cientista social com uma rara capacidade de transitar por várias áreas do conhecimento por saber, como poucos, o que significa a interdisciplinariedade.

E o mundo, nesses tempos já tão sombrios, deixa de contar com o seu sorriso, sua fala mansa e firme, seu sentido de humor, sua capacidade de fazer amigos, sua doçura, sua conversa gostosa e sua enorme generosidade.

A equipe do Núcleo de memória, e muito especialmente aqueles que aprendemos tanto com o Ricardinho porque fomos seus colegas, seus alunos e seus leitores, muito tristes, quer juntar-se à dor de todos os seus amigos, e de modo muito particular à da Carolina, da Alice e da Carmen. 

Com todo o carinho,

Guida e toda a equipe do Núcleo de Memória da PUC-Rio

 

Em nome do Departamento de Ciências Sociais, manifestamos nossa tristeza pelo falecimento do professor, pesquisador, orientador e amigo Ricardo Benzaquen.

À sua família e aos seus colegas do Departamento de História, nosso abraço fraterno.

Prof. Ricardo Ismael, diretor do Departamento de Ciências Sociais

 

Em nome do Departamento de Engenharia Industrial, manifestamos nosso pesar pelo falecimento do nosso colega Prof. Ricardo do Departamento de História.

À sua família e aos colegas do Departamento de História, nossa palavra de conforto neste momento de tristeza.

Prof. José Eugenio Leal, diretor do Departamento de Engenharia Industrial

 

Em nome do Departamento de Química, expresso meu pesar pelo falecimento do colega Ricardo Augusto, extensivo a seus familiares e aos colegas do Departamento de História.

Prof. José Marcus Godoy, diretor Departamento de Química

 

É uma grande perda. Em nome da Assessoria Jurídica e no meu próprio, manifesto o pesar pelo falecimento do Benzaquen. Seu falecimento empobrece não somente o Departamento de História mas toda a Universidade.

Prof. Gustavo Sénèchal, assessor jurídico da Reitoria

 

Em nome do Departamento de Engenharia Civil, expresso meu pesar pelo falecimento do colega Ricardo Augusto, extensivo a seus familiares e aos colegas do Departamento de História.

Prof. Tácio de Campos, diretor do Departamento de Engenharia Civil

 

Em nome do Departamento de Engenharia Mecânica, expresso meus sinceros sentimentos pelo falecimento do Prof. Ricardo Benzaquen, extensivo aos familiares e colegas.

Profa. Monica Naccache, diretora do Departamento de Engenharia Mecânica

 

Em nome do Departamento de Psicologia, expresso meus sentimentos pelo falecimento do colega Ricardo Augusto, extensivo a seus familiares e aos colegas do Departamento de História.

Prof. J. Landeira-Fernandez, diretor do Departamento de Psicologia

 

Em nome do Departamento de Física, venho manifestar meus sentimentos aos colegas do Departamento de História e aos familiares do Prof. Ricardo Benzaquen de Araújo.

Prof. Fernando Lázaro Freire Jr., diretor do Departamento de Física

 

Em nome do Departamento de Serviço Social, expresso o nosso sentimento de pesar pelo falecimento do Prof. Ricardo Augusto, um exemplo na vida acadêmica e um querido amigo.

O nosso carinho aos familiares, professores, funcionários e alunos do Departamento de História.

Profa. Andreia Clapp Salvador, diretora do Departamento de Serviço Social

 

Em nome de todos no Departamento de Filosofia gostaria de expressar o sentimento de enorme pesar pela perda do colega e amigo Ricardo Benzaquen. Sua presença na universidade sempre foi iluminadora.

Prof. Luiz Camillo Osorio, diretor do Departamento de Filosofia

 

Neste momento de grande tristeza, o Departamento de Letras manifesta profundo sentimento de pesar pelo falecimento do Prof. Ricardo Benzaquen, expressando a sua solidariedade ao Departamento de História, aos amigos e aos familiares do Professor.

Prof. Alexandre Montaury Baptista Coutinho, diretor do Departamento de Letras

 

Em nome do Departamento de Educação, venho manifestar aos familiares e colegas do Departamento de História, meu pesar pelo falecimento do Prof. Ricardo Benzaquen.

Prof. Ralph Bannell, diretor do Departamento de Educação

 

Maravilhoso ser humano, grande intelectual, generoso professor e orientador, fino escritor...

Abraços fortes, Marcelo e todos que privaram mais próxima e intimamente de sua convivência, e que mais sentirão o tamanho da cratera que se abriu no Departamento de História, na PUC-Rio e muito além...

Que siga em paz, com todo o nosso carinho...

Prof. Adriano Pilatti, diretor do Departamento de Direito

 

Expresso aqui meus sentimentos de pesar e saudade do querido colega e amigo Ricardinho.  Ser humano maravilhoso, de rara inteligência, humor a toda prova, carinho e amizade fiel e constante.

Justo e seguindo o caminho reto, descansa agora na paz e na plenitude da vida.

Lembre-se de nós, querido Ricardo.

Profa. Maria Clara Bingemer, Departamento de Teologia

 

Uma notícia muito triste... Ricardo Benzaquen foi um exemplo de acadêmico e intelectual. Tive contato com um de seus textos logo no primeiro período do curso de Direito na PUC-Rio – um artigo que guardo até hoje. Meus sentimentos à família e aos amigos do professor Benzaquen.

Fábio Leite, Assessoria Jurídica da Reitoria

 

Conheci o Ricardo Benzaquen de Araujo como leitor do brilhante GUERRA E PAZ , que me acompanhou nas aulas de um curso sobre “Cultura Brasileira” no tempo em que fui professor da UNICAMP. Foi ao ingressar na PUC-Rio, no entanto, que pude descobrir a pessoa doce e generosa que havia escrito aquele livro. Se muitos se lembram hoje de sua impressionante erudição e capacidade intelectual, é o carinho e cuidado que ele sempre demonstrava no trato com os colegas, amigos e alunos que alimenta agora minha saudade.

Prof. Leonardo Affonso Miranda de Pereira, Departamento de História

 

Prof. Ricardo Benzaquen: "- escrevo esta apenas para"... era assim que ele sempre começava uma cartinha para seus alunos.

Eu nunca imaginei que hoje, eu iria escrever esta frase pra você: Suas lembranças, seus ensinamentos viverão em nossos corações. Você viverá para sempre em cada um de nós.

Vá com Deus!

Edna Maria Timbó, Departamento de História

 

Casa de Rui Barbosa - Nota de pesar pelo falecimento do pesquisador Ricardo Benzaquen

A Casa de Rui Barbosa expressa seu profundo pesar pela morte prematura de Ricardo Benzaquen, intelectual brilhante e generoso, que transitou por áreas diversas, como a história, a sociologia, a antropologia, a filosofia, a literatura e as artes. Parceiro e colaborador habitual de nossos eventos científicos, Ricardinho, como era amplamente conhecido, deixou-nos contribuições expressivas sobre a obra de outros intelectuais, como Gilberto Freyre, Plínio Salgado e Joaquim Nabuco, sobre artistas como Mário de Andrade e William Shakespeare, e sobre temas tão variados como a sua mente inquieta: política, religião, subjetividade, música popular, futebol, entre outros.Além disso, como professor e orientador extraordinário, ajudou gerações da área de humanidades a pensar melhor.
Neste 2 de fevereiro o Brasil amanheceu mais pobre intelectualmente.

 

Biblioteca Nacional

É com pesar que a Biblioteca Nacional (BN) informa o falecimento de seu ex-colaborador, o professor, historiador e antropólogo Ricardo Benzaquen de Araújo, no último dia 1º de fevereiro. O sepultamento ocorreu nesta quinta-feira, às 14h30, no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro.

Para Maria Eduarda Marques, diretora do Centro de Cooperação e Difusão da Biblioteca Nacional e ex-aluna de Ricardo Benzaquen, “o professor é uma referência na área da Teoria de História no Rio de Janeiro, responsável pela formação de uma geração de alunos nos departamentos de História da PUC-Rio e do IUPERJ”.

A diretora do CCD da Biblioteca Nacional lembrou também que Ricardo foi homem de extrema erudição e conhecimento teórico. Seu livro Guerra e Paz: Casa-grande e Senzala e a Obra de Gilberto Freyre nos Anos 30 (1994) é considerado um marco no estudo de Gilberto Freyre, tendo resgatado e revitalizado a discussão em torno da obra desse intelectual brasileiro.

A perspectiva ampla e aberta da História de Benzaquen o levou a estudar temas tão diversos e distintos como o Integralismo e o futebol, entre muitos outros. “Um dos aspectos mais marcantes em seu pensamento é a compreensão interdisciplinar das disciplinas humanas a partir de uma perspectiva antidogmatica e anticientificista da história”, disse Maria Eduarda.

Na Biblioteca Nacional, Ricardo Benzaquen de Araújo integrou o Conselho Editorial da Revista de História. A BN presta sua solidariedade aos amigos e familiares de Ricardo Benzaquen de Araújo.

 

Atendendo a pedidos (na verdade foram apenas três pedidos: do Otávio, do José Ricardo Ramalho​ e do José Sergio Leite Lopes​), segue o artigo que publiquei no Globo quando da defesa da tese de doutorado do Ricardinho. Pior é que relendo-o, percebi que o que se passava com a universidade naquele tempo é o que vai acontecendo hoje. Também estavamos muito pessimistas, então.

A ÚLTIMA CORRIDA DE TOUROS
Isabel Lustosa

Era a defesa de tese de Ricardo Benzaquen de Araújo. À mesa, expressivos representantes do pensamento social brasileiro. Da casa, o Museu Nacional, estava o professor Luís Fernando Duarte e os irmãos Velho, Otávio e Gilberto. De fora, vieram Wanderley Guilherme dos Santos e Luís Costa Lima.

Na plateia lotada, misturavam-se pesquisadores, professores e alunos dos grandes centros de pesquisa e dos programas de pós-graduação em literatura, história e ciências sociais. Era, com honrosas exceções, la crème de la crème das ciências humanas e sociais do Rio que se reunia para ouvir o muito benquisto doutorando.

Ricardo brilhava. O seu brilho próprio, estilo Woody Allen: um jeito de quem se dá pouca importância, uma deferência levemente irônica com o interlocutor, uma permanente disposição a ouvir, com real atenção ou perfeitamente simulada, o que vem a dar no mesmo. O pensamento, como sempre, mais rápido do que a capacidade de articular as palavras – é, para quem não conhece, como alguém que bate à máquina numa velocidade maior do que a dela.

A cerimônia obedecia às regras convencionais. Primeiro fala o candidato a doutor. Depois, cada membro da banca o interroga longamente, de forma, às vezes, apesar dos constantes jogos de maneira, um pouco chocante para os menos familiarizados. A cada um responde o doutorando. O ritual era o de sempre. O especial, o inusitado não era a reunião da constelação estelar (se se pode chamar de estrela gente cuja renda familiar não alcança a casa dos dois mil dólares).

Nem a performance de Wanderley Guilherme, sua argumentação borgeana, seu excelente humor. Não era a continuação do jogo de xadrez entre Ricardo e Luís Costa Lima. (É assim que eles se relacionam, tal como aqueles enxadristas de Malba Tahan: um faz um texto – uma jogada, tempo depois o outro replica. E assim já vão vivendo há anos.)

Nem a imponência da exposição de Gilberto Velho que, ao recuperar o contexto da antropologia americana em que se formou Gilberto Freyre, aqueles nomes tão familiares ao estudante de ciências sociais: Franz Boas, Ruth Benedict, Margaret Meed, de certa forma homenageava a casa onde ocorria a cerimônia.

Algo de mágico, palavra só aceitável porque, afinal, era ainda uma tese na casa da antropologia social, pairava no ar. A tese era sobre Gilberto Freyre. O velho. O Gilberto Freyre de Casa Grande e Senzala e de Sobrados e Mocambos. O pai fundador da antropologia brasileira. Um Gilberto Freyre lido com os olhos das ciências sociais de hoje.

Mas, mágico mesmo era o cenário em que toda a cena se desenrolava: o velho auditório do PPGAS. O teto, um destes tetos rebaixados feitos de placas de gesso, papelão ou coisa que o valha, formava sobre as cabeças do auditório uma barriga ameaçadora. Faltavam nele várias placas e todo ele apresentava manchas amarelas de umidade.

As mesmas manchas amarelas que marcam todo o revestimento. Este descolava da parede em vários pontos. Cortinas precárias pendiam, quase totalmente soltas, e nada tinham a ver com o resto do mobiliário. E tudo era precariedade, má conservação, desgaste do tempo. Do chão, logo abaixo do estrado, minava água suja.

Água em profusão, ilhando a banca e o doutorando. A água recobria também a fiação elétrica. No meio da fala de Wanderley, um curto-circuito: fogo na fiação, apagam-se as luzes. Expositor e plateia não se abalam. Da parede, de onde pendiam quadros tortos, sábios de outras eras contemplavam com olhos de espanto aquele magote de pervertidos ou fanáticos que, meio às escuras, realizava a estranha cerimônia a que o seu vício ou a sua religião obrigava.

Abstraindo a excelente performance dos atores, o cenário era melancólico, quase deprimente. O clima era o do “Ensaio de orquestra”, de Fellini, em que as paredes vão desabando e os músicos continuam a tocar. Afinal, para isto são músicos, tocar é a sua função, razão de existir. Talvez se aquelas placas do teto começassem a cair, a plateia da manhã de 20 de junho de 1993, no Museu Nacional, apenas afastasse as cadeiras para um canto mais abrigado.

Ficaram ali durante quase cinco horas e, talvez, se a coisa se prolongasse com pequenos intervalos, continuassem, enquanto o mundo ia desabando em volta.
Na velha casa em ruínas, casa que pertenceu a um governante ilustrado, imperador Pedro II, homem que herdara da mãe o amor às ciências e às letras, casa que se tornou o Museu Nacional, o contraste era entre a vitalidade do pensamento que se expressava ali e a lenta agonia do patrimônio cultural brasileiro.

Não sei por que vieram-me à lembrança fragmentos de um texto de ginásio: “A última corrida de touros em Salvaterra”, de Rebelo da Silva. A cena trágica do Marquês de Marialva ajoelhado no pó da arena tendo nos braços o corpo inanimado do filho morto na última tourada.

Nada de épico havia na cena acadêmica e a analogia talvez me ocorresse devido a isto que os antropólogos teimam em chamar de “rito de passagem”. Só que acontecendo numa destas tribos tristes que o contato com a civilização vem cuidando de aniquilar e aquela fosse a última das cerimônias e aquele o último rebento de uma cultura fadada a desaparecer.

Daqui a 20 anos, se ainda existir universidade no Brasil, se esta universidade ainda deixar que se lecionem ali estas coisas tão inúteis quanto a poesia e a literatura – talvez até mais – e que hoje conhecemos como ciências sociais ou humanas, esta manhã será lembrada.

Ricardo Benzaquén foi tão longamente aplaudido que um amigo lhe disse: “Tive medo que você fizesse bis”.

Publicado no jornal O Globo, domingo, 25.07.1993.

 

Faleceu Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo (1952-2017), Ricardo Benzaquen, um dos mais notáveis intelectuais brasileiros de sua geração.

Maria Alice Rezende de Carvalho

Ricardo viveu em luta com seu corpo. Indisciplinado em algumas dimensões da vida e absolutamente rigoroso em outras, é difícil traduzi-lo sem essa chave. E lutar, aqui, não tem apenas o sentido de oferecer combate à doença ou à dor, mas também o de driblar a sua condição física, fazendo dela um tipo de informação, uma “cultura” fertilizadora da sua experiência subjetiva. Aliás, parte do seu carisma vinha exatamente do cultivo dos seus sintomas – quem não ouviu falar de sua lendária proeza, que consistia em dormir dando aula e voltar a falar no ponto exato em que havia interrompido a explanação?

Tópico reiterado em comentários recentes sobre Ricardo Benzaquen tem sido o da sua inesquecível atuação como professor. O hexis corporal do mestre – que se traduzia numa forma de se sentar dobrado sobre a barriga, sublinhando o cansaço pela noite mal dormida; no recurso constante à leitura de trechos de livros em sala de aula; na visão prejudicada por óculos defasados em muitos graus; na rapidez de raciocínio, que resultava no atropelo das palavras – religou várias gerações de alunos a uma cena universitária weberiana e a um tipo de maestria posta em desuso pela universidade atual. De modo que o elogio à prática de Ricardo Benzaquen como professor não serve apenas à sua memória: a “técnica corporal” que ele encenou por décadas o inscreve em uma comunidade docente – da qual já participam muitos de seus ex-alunos – que valoriza a relação feliz entre exigências da institucionalidade acadêmica e deleite criativo.

O trânsito entre objetivo e subjetivo foi, de fato, seu grande programa; e Georg Simmel o autor de sua predileção. Até a década de 1990, Georg Simmel era assimilado no debate acadêmico como o sociólogo que expôs a crise da boa articulação entre o externo e o interno, que prevalecera durante parte dos séculos 17 e 18. Tal conexão, de acordo com Simmel, havia sido obstruída pela intensificação da divisão social do trabalho, que ampliou desmesuradamente o mundo objetivo. A partir de meados do século 19, portanto, a possibilidade de aperfeiçoamento interior dos sujeitos se esgotara: eles não mais seriam adubados, fertilizados, como na metáfora romântica dos jardins, porque na nova “civilização das metrópoles” seus núcleos internos seriam radicalmente transformados. Para Simmel, a era das mercadorias não dá lugar ao colorido e ao desenvolvimento peculiar de cada experiência; o homem da multidão, indiferenciado e submetido à proliferação de estímulos do mundo objetivo, é dirigido de fora para dentro, sem o feliz equilíbrio entre o externo e o interno.

Esse foi o Simmel recepcionado pela Escola de Chicago e que, entre a segunda guerra mundial e os anos 90 do século passado, conformou um grande campo de estudos sobre sociabilidades no mundo urbano, especialmente nas metrópoles. Foi com ele que Ricardo se defrontou quando, em março de 1975 começou a cursar o mestrado em antropologia social do Museu Nacional. Até aquele momento, como revelou a entrevistadores da Revista de História da Biblioteca Nacional, havia sido formado “em uma instituição muito próxima do marxismo […] e começara a trabalhar com autores ligados à sociologia francesa”. Ricardo, de fato, havia estudado na Escola de Aplicação da UFRJ (1967-1970) e no Departamento de História da PUC-Rio (1970-1974), em um contexto de aberto endurecimento da ditadura militar no Brasil, quando também avançaram os estudos marxistas em algumas escolas-chave da elite intelectual carioca. Ao lado disso, a tradição sociológica francesa ajudou a compor um ambiente acadêmico vincado pelas teorias da estruturação, nas quais, para Ricardo, “as categorias e classificações eram bem armadas e definidas”. Por isso, naqueles anos, “[…] ler Casa-Grande & Senzala foi uma experiência inesquecível”, a que se associou o contato com as obras de autores como Simmel e Gabriel Tarde, que “continham uma fluidez e uma ambigüidade ausentes na tradição do marxismo e da escola sociológica francesa”.

Sua dissertação, contudo, não foi sobre Gilberto Freyre. Em 1980, Ricardo Benzaquen concluiu seu mestrado com “Os gênios da pelota: um estudo do futebol como profissão”. Sob a orientação de Gilberto Velho, a dissertação aciona as discussões de um grupo de alunos e professores do Museu Nacional sobre o individualismo, entendido como categoria básica da sociedade ocidental. A dissertação é preciosa, embora pouco conhecida, pois não chegou a ser publicada. Há vários aspectos que poderiam servir como fio condutor para a apresentação do trabalho – um deles, a noção de que o mundo do futebol é regido por valores individualistas, sendo o jogador brasileiro, mais do que o europeu, a expressão exasperada da individualização, na medida em que dele se espera o brilho pessoal, singular, em contraste com o estilo de jogo mais coletivo que tem assentamento em outros contextos nacionais. Metodologicamente, já está ali, como se vê, a questão do equilíbrio entre dimensões contrapostas, tais como singularidade vs. equipe; talento vs. disciplina, que atuam na conformação do jogador e que não são excludentes – construção analítica que Ricardo emprestará à obra Gilberto Freyre no premiado livro Guerra e Paz… Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30.

O enfrentamento com Gilberto Freyre, originalmente, foi tenso. Seu texto lhe parecia confuso, pois não oferecia grandes planos da vida social. Além disso, como registrou Benzaquen, “[…] sua prosa era marcada por certo tipo de narrativa oral, que ia e voltava:[…] tive dificuldade [para] compreender a melhor maneira de lidar com aquilo.” A familiaridade com Freyre, porém, foi sendo conquistada com a ajuda de Simmel, mais precisamente de uma segunda onda de recepção simmeliana, que trouxe textos do autor ainda pouco conhecidos e inscritos no contexto da vida intelectual alemã, nos quais o diálogo com as artes e movimentos de vanguarda prescrevia a positividade de paradoxos e ambivalências. O ponto, aqui, encurtando muito o argumento, diz respeito a uma nova modulação das análises de Simmel sobre as metrópoles ocidentais, considerando que o homem da multidão não tinha como destino necessário o seu esmagamento pela cultura objetiva, a atrofia da dimensão subjetiva e a melancolia. Em uma série de grandes cidades, o sujeito não vive a homogeneização característica das metrópoles.  Roma, por exemplo, é um lugar em que diferentes planos se combinam – o alto e o baixo, o antigo e o moderno, sem que a “experiência do choque”, mencionada por Walter Benjamin, se instale…

Com Freyre, Ricardo apontou um Brasil constituído por heranças culturais que nunca se combinaram completamente. “Elas se aproximam, entram em contato umas com as outras, dialogam fortemente entre si, mas nunca perdem as suas características específicas, definidoras – o que faz do Brasil um país de natureza instável, já que essas diferenças permanecem vivas. […] É o que Gilberto vai chamar de ‘riqueza de antagonismos’”. Com Freyre, Ricardo apreendeu uma vida social muito mais frouxa, anárquica, em que as paixões jogam um papel crucial. E o livro que escreveu – Guerra e Paz… Casa Grande & Senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30 – é tão importante porque, não somente explicitou a perspectiva freyreana do “antagonismo em equilíbrio”, mas porque consagrou um modo de articular vida e obra do autor, sublinhando como se objetivam, no texto, as tensões presentes na experiência intelectual brasileira dos anos de 1930. Como todos os “clássicos” em ciências sociais, Guerra e Paz é um modo de pensar, um desenho intelectual, que, nesse caso, fala de Freyre & Benzaquen.

 

ANÔNIMOS E ETERNOS
Fred Coelho

Ricardo Benzaquen de Araújo era parte de um grupo de pesquisadores cada vez mais raros dentre as novas gerações.

O trabalho intelectual é silencioso. Ele é feito, quase sempre, face a face. Um corpo a corpo de quem se olha — seja em uma sala, em uma conversa de orientação, em um papo no bar depois das aulas ou em outros momentos de encontro entre as pessoas. É uma tarefa que nunca para. Não há corte no pensamento. Não há cartão batido que desligue a cabeça cismada com um problema, uma hipótese, uma raiva que move, um amor que mesmeriza uma pesquisa. Quando um professor e pensador morre, só quem esteve perto dele sabe o que um país perde. E, na última semana, um dos grandes de sua geração se foi.

Ricardo Benzaquen de Araújo era parte de um grupo de pesquisadores que, hoje, são cada vez mais raros dentre as novas gerações. Talvez tenha sido a última leva de pensadores do século XX que ainda colocaram o Brasil e seus problemas profundos no centro de suas preocupações e delírios. A tradição dos “intérpretes” vem desde o fim do século XIX, mas, nos últimos tempos, perdeu força — não como produção, ainda robusta, mas como pauta central de pesquisadores cujas transversalidades contemporâneas do mundo em rede deslocaram radicalmente o tema do nacional em prol de ideias mais ligadas ao sujeito e suas rupturas com as grandes narrativas hierarquizantes do Ocidente. Estudar o Brasil, sua história, suas derrotas, suas esperanças e suas frustrações era a especialidade de Benzaquen.

Esta coluna não deseja ser um necrológio ou uma apresentação infelizmente póstuma sobre uma carreira acadêmica exitosa e brilhante. Poderia gastar todos os caracteres para apresentar apenas alguns dos livros e trabalhos de Ricardo. Mesmo sem nunca ter sido próximo ou íntimo, eu repetiria o que pessoas muito mais preparadas do que eu já fizeram e farão. Quero justamente falar com quem nunca conheceu Ricardo Benzaquen. É porque não conhecemos aqueles que, em salas de aula, escrevem com as palavras e os gestos um saber abstrato, que não fica para além de quem ouve. No final das contas, não são os livros e artigos que sobrevivem ao corpo que se vai, mas sim o que afetou de alguma forma uma série de vidas ao seu redor. Ser professor, orientador, palestrante, participante de bancas é ser, enfim, uma fala constante sobre temas que atravessam escutas em diferentes momentos da vida. Professores são passagens, um momento em que algo a mais se inscreve na formação alheia. Alguns, claro, permanecem entre nós para além de um único momento de aula ou escrita.

Quando um professor morre, o que lemos como homenagens e lembranças são as marcas que ele deixou nas pessoas, e não seus feitos individuais. Um intelectual, um escritor, um professor, no fundo, não “faz” nada. Ele não faz matéria, não faz coisa ou objetos de consumo. Como o poeta, ele funda mundos invisíveis, porém de alto impacto comunitário. Abre sendas no escuro dos dias. Sua utilidade, ao contrário do que equivocados de escolas sem partido pensam, é justamente o dissenso. Pensar. PENSAR. E não passar mecanicamente conteúdos pré-definidos, seja de que matriz ideológica for. Nenhum professor que realmente seja importante na trajetória de um aluno ou de um colega de profissão se torna importante por suas ideologias. Eles ficam para além da vida porque transcendem o particular em prol de um encontro amplo e geral com as ideias. O professor “desencaminha” porque é muito fácil escolher caminhos que já estão preconcebidos. E, mesmo para escolhê-los, vale sempre saber o porquê de suas opções.

Ricardo Benzaquen ficará — como muitos outros que, infelizmente, nos deixaram tão jovens. E isso corre a despeito de seu trabalho silencioso e sua dedicação quase anônima. O trabalho de pesquisa é solitário e anônimo. Escrever — um artigo, uma dissertação, uma tese, um livro — é solitário. Às vezes, muitos nessa posição se ressentem disso durante o processo, mas no fim entendem que (talvez) aquela solidão silenciosa seja um dos poucos momentos na vida em que você teve de lidar frente a frente com você mesmo, suas conquistas e seus limites. O pesquisador, o pensador dos problemas públicos, o interessado nas ideias que circulam e nos formam, está nesse momento existindo aos milhares: mal pagos, dedicados, mal vistos, empenhados, mal lidos, insistentes. Sempre há, porém, a sala de aula, o momento em que a solidão se encontra com as outras solidões e todos se tornam uma única grande solidão povoada.

Homenageio aqui Ricardo Benzaquen, na certeza de que muitos, talvez a amplíssima maioria dos leitores, não saiba de quem estou falando. Assim, homenageio todos os professores, pesquisadores, alunos e pessoas que optaram por viver na troca diária e anônima de ideias e desejos ao redor de uma aula. O mais trágico de tudo é que o país que ele tanto estudou não tem ideia do que perdeu com sua morte. E, em tempos em que perdemos tanto, a dor cava desse registro anônimo só pode servir de sol para que iluminemos todos que, como Ricardo, vivem em prol do ensino e da pesquisa. Obrigado a todos.

Publicado no jornal O Globo, terça-feira, 07.02.2017.

 

A VIDA E OS MORTOS
A dor é enorme mas dela brota a ressurreição naquilo que nós, falantes de português, chamamos de saudade.
Roberto DaMatta

Destaco o conceito de “vida” porque ele nos conduz a um permanente diálogo entre a crença num Deus patriarcal, dotado de onipotência (pode tudo), onisciência (sabe tudo) e onipresença (está em todos os lugares) e os infortúnios que nos atingem neste mundo feito em sete dias para nosso uso e, hoje, abuso. Acidentes, mortes súbitas, Donald Trump e outros infortúnios promovem dúvida ou suspeita sobre essa figura que criou e, pelo menos uma vez, desmanchou este mundo. Ao lado disso, não se pode deixar de lado a liberdade, irmã do orgulho, que criou a primeira dissidência. A grande revolta, ainda em curso, liderada por lúcifer.

Vale apelar para Santo Agostinho, que tanto se preocupou com o problema do mal. Para ele, não há dúvida de que o bem engloba o mal, mas ele não gostaria de viver num mundo sem os dois. O que seria do certo sem o errado? E da mão direita sem a esquerda que a complementa?

Não me julguem, amados leitores, como um um ingrato. Tenho muitas dívidas, mas estou seguro de que Deus escreve certo por linhas tortas. É como vejo a morte, que tudo perdoa e faz valorizar ainda mais as nossas vidas falíveis e cheias de frustração. Como diz meu amigo Mario Batalha: a morte, que não deixa ninguém de fora, é a prova final de uma suprema igualdade. Não há imprensa hegemônica, nazista ou liberal que possa transformá-la numa interpretação.

Quem sabe se não foi por tudo isso que Deus levou para o outro mundo Ricardo Benzaquem de Araújo nesta quinta-feira e fez com que minha estimada amiga Lívia Barbosa virasse parteira de sua netinha dentro de um automóvel, num estacionamento em pleno Leblon. Nomearam essa criaturinha Cecilia — nome da mãe de sua parteira —, e assim refizeram sublime ponte que liga esse mundo com o outro.

Ricardo, o morto que me obriga a escrever essas linhas, era um andarilho de vielas e avenidas das chamadas Ciências Humanas. Essas novas teologias que lidam com o que surge como paradoxal e com os inesperados provocados por regras sociais tidas como óbvias e certas. Como sócio-historiador de primeira categoria, Ricardinho, como nós os chamávamos por causa de seu temperamento simples, doce e generoso, sabia tudo, mas fingia que você o ensinava alguma coisa. Foi meu aluno no Museu Nacional nos idos e terríveis anos 70, os quais, não obstante, foram tão decisivos para a fundação da moderna antropologia social brasileira. A essa atitude, cujo propósito era o de compreender mais do que julgar, Ricardo deu uma inestimável contribuição, apreciando a obra de Gilberto Freyre no livro “Guerra e paz”. Um ensaio que só uma alma com o seu equilíbrio de rabino poderia ter produzido. Ali ele revela o erro de reduzir Freyre a uma só gaveta e discute a presença dos desequilíbrios presentes no Brasil inventado pela obra deste que foi o maior conhecedor do Brasil.

Ricardo partiu na mesma semana da ex-primeira-dama Marisa Letícia da Silva e no vácuo causado pela morte por acidente do ministro do STF Teori Zavascki. Todos deixam uma onda de sofrimento e de empatia, que abrem espaço para as tréguas da civilidade e do coração, abafando ressentimentos e diferenças.

É o trabalho do morto e da morte que obriga a um doloroso desfazer do corpo e, ao mesmo tempo, tentar preencher o seu lugar na rede social de que fazia parte. A dor é enorme, mas dela brota a ressurreição naquilo que nós, falantes de português, chamamos de saudade.

Eis o que dela diz um Joaquim Nabuco, mais antropólogo social do que político, numa palestra que proferiu no Vassar College, Estados Unidos, em 1909:

“Mas como traduzir um sentimento que em língua alguma, a não ser na nossa, se cristalizou numa única palavra? Consideramos e proclamamos esse vocábulo o mais lindo que existe em qualquer idioma, a pérola da linguagem humana. Ele exprime as lembranças tristes da vida, mas também suas esperanças imperecíveis. Os túmulos trazem-no gravado como inscrição: saudade. A mensagem dos amantes entre eles é saudade. Saudade é a mensagem dos ausentes à pátria e aos amigos. Saudade, como vedes, é a hera do coração, presa às suas ruínas e crescendo na própria solidão. Para traduzir-lhe o sentido, precisaríeis, em inglês, de quatro palavras: remembrance, love, grief e longing. Omitindo uma delas, não se traduziria o sentimento completo. No entanto, saudade não é senão uma nova forma, polida pelas lágrimas, da palavra soledade, solidão”.

Até o momento no qual aqueles que partiram sejam devida e humanamente esquecidos e, às vezes, lembrados como vai ocorrer com todos e tudo neste mundo, o qual, como dizia Thornton Wilder, só pode ser unido ao outro pela ponte do amor.

Publicado no jornal O Globo, quarta-feira, 08.02.2017.

 

Associação Nacional de História (ANPUH)

NOTA DE PESAR

É com imenso pesar que a Anpuh Nacional se associa a tantas outras manifestações ocorridas quando da notícia do falecimento de Ricardo Benzaquen de Araújo. Professor, antropólogo, historiador, vinculado a diversas instituições de ensino e pesquisa, como a PUC-Rio, IUPERJ, ANPOCS, Biblioteca Nacional e também ao IESP/UERJ, Ricardo Benzaquen faleceu no dia 1 de Fevereiro de 2017, depois de complicações decorrentes de uma cirurgia.

Estudioso de imensa erudição, intelectual brilhante, Ricardinho, como muitos o chamavam carinhosamente, nos deixou precocemente e sua ausência será marcada por muitas saudades de todos os que tiveram o privilégio de conviver com ele.

Por tudo que representou em sua trajetória particular e pública, pelo respeito intelectual e afetivo que consolidou ao longo da vida, sua perda será muito sentida.

Seu livro "Guerra e Paz: Casa Grande e Senzala e a obra de Gilberto Freire nos anos 30", marco nos estudos das Ciências Sociais no Brasil, prêmio Jabuti em 1995, será sempre uma referência dentro da rica e diversificada produção que nos deixou.

A ANPUH Nacional lamenta profundamente seu falecimento e se solidariza com a família, amigas e amigos, nesse difícil momento de dor.

 

Ricardinho,
pequena homenagem à sua memória

Luiz Eduardo Soares

Essas lembranças são uma pequena homenagem à memória de Ricardo Benzaquen de Araújo, amigo da vida toda. Se me incluo no relato, é porque, em vez de uma descrição distante e objetiva de sua obra, prefiro dar o testemunho dos efeitos de sua presença em minha vida.

Conheci Ricardo nos pilotis da PUC, no Rio de Janeiro, no início dos anos 1970. Eu, calouro, ele já na metade do curso; eu em Letras, ele em História. A despeito das escolhas diferentes, logo nos encontramos nas admirações comuns, entre elas, e com destaque, o professor Luiz Costa Lima. Lembro das conversas animadas com uma tribo muito interessante, que incluía Sérvulo Figueira, George Lamaziére e Eduardo Viveiros de Castro. Apesar da atmosfera carregada –afinal, vivíamos os anos mais sombrios da ditadura-, havia ali uma vitalidade apaixonante. Éramos ambiciosos, irônicos e críticos corrosivos de quase tudo, e nos divertíamos, sem perder a conexão com o sentido dramático do tempo. 

Pessoalmente, eu não queria muita coisa, só mudar o mundo, e Ricardo, cujos sonhos de mudança não eram menos ardentes, tinha, mais que eu, os pés no chão e a cabeça no lugar: ele me dava a mão e me devolvia à realidade, em sua extraordinária complexidade, suas contingências, variações, incertezas, em sua imprevisibilidade. Ele me ensinava, sem assumir tom professoral, que entre cores opostas e polos antagônicos havia todo um gradiente, cuja percepção exigia sensibilidade refinada e adestrada pela erudição. Ricardo mostrava que sob a grandiloquência das ideologias germinava a despotencialização do pensamento, debaixo do manto sagrado das utopias heroicas oculatavam-se pesadelos totalitários. Nossa amizade era o mais poderoso antídoto às tentações da Hybris. Por outro lado, o ceticismo de Ricardo era risonho e leve, delicado e afetuoso, nunca ríspido, jamais arrogante, e não conduzia ao imobilismo ou à resignação. Esse híbrido formava um cristal precioso, uma obra holográfica que resultaria em auto-construção original e luminosa. Por isso, desde o primeiro dia e para sempre, Ricardinho.

Só havia uma nota destoante: Ricardo era o vascaíno do grupo, o que contrastava com suas inclinações céticas. Ele nascera para ser botafoguense, dizíamos; um acidente infantil provavelmente confundira, em seu espírito, os pretos e brancos.

Voltaríamos a nos encontrar no PPGAS do Museu Nacional, estudando antropologia, e, bem mais tarde, compartilhando laços afetivos e intelectuais com Otavio Velho, seu orientador no doutorado, meu orientador no mestrado, nosso mentor e amigo. Durante 14 anos, entre 1987 e 2000, como professores do antigo IUPERJ, fomos vizinhos de sala, separados por uma divisória fina e frágil. Passávamos dias e, tantas vezes, noites, lado a lado, às vezes os fins de semana, compartilhando o cafezinho e conversas intermináveis. Desde então, penso em nosso convívio como uma única e longa conversa que se estende e desdobra, sem fim, apenas interrompida para os ossos do ofício. Mesmo quando a vida nos afastou, sua voz ressoava, risonha e melancólica, me alertando para o fato de que nada está resolvido, jamais suficientemente compreendido, e, por isso, convém evitar julgamentos e sentenças definitivas. Conhecimento é ciclo infinito da leitura dos leitores de sucessivas gerações e da escuta paciente das palavras. Ricardinho exerceu a erudição como poucos em nosso país, não como atletismo da soberba, mas, ao contrário, como antídoto à onisciência. 

Agora, o intervalo, a conversa interrompida, resta a tarefa de ajudar tantos irmãos, órfãos de sua amizade, a fazer ecoar o rumor generoso, doce e amargo, de sua sabedoria e de seu amor.
 

O Prof. Ricardo Benzaquen em 2017. Foto do Prof. Leonardo Affonso Miranda Pereira (HIS).
O Prof. Ricardo Benzaquen em 2017. Foto do Prof. Leonardo Affonso Miranda Pereira (HIS).