Engenheiro Georg Herz (1933 - 2009)

Engenheiro Georg Herz (1933 - 2009)

Engenheiro Georg Herz
Engenheiro Georg Herz

Sobre petecas e computadores

A vida da PUC-Rio é feita do encontro das vidas daqueles que fazem dela uma realidade tangível e cheia de matizes. São os que nela atuam como professores, pesquisadores, funcionários e estudantes e são também colaboradores; ex-alunos; famílias de alunos, professores e funcionários; crianças e idosos que brincam ou passeiam em seu jardim; fornecedores; moradores da Gávea que cruzam o campus; visitantes das exposições do Solar; usuários da biblioteca vindos dos quatro cantos da cidade; alunos das escolas próximas, uma multidão enfim que enche de vida e colorido o campus. Alguns deles deixam marcas indeléveis na história da PUC-Rio.

É o caso do engenheiro Dr. Georg Hertz, que nos deixou  no dia 24 de novembro de 2009.  Sem ele a PUC-Rio não teria sido a primeira universidade latinoamericana a contar com um computador de grande porte.

O acervo do Núcleo de Memória guarda uma série de fotografias do início dos anos 1960 em que Georg Herz aparece, muito jovem, comandando as operações do Borroughs 205 e seus complexos componentes e guarda também a carta datada de 15 de outubro de 1958 que define a compra do equipamento.  Guarda ainda uma linda fotografia recente em que um Georg Herz maduro e emocionado acompanha, ao lado da pesquisadora Silvia Ilg Byington, o lançamento do Núcleo de Memória da PUC-Rio.

E temos a sorte de conservar o áudio, já transcrito, da entrevista que deu no dia 25 de julho de 2007 aos pesquisadores do Núcleo e na qual conta as aventuras do transporte e da instalação do Burroughs 205 na PUC-Rio, uma verdadeira operação de guerra da qual participou ativamente, como ele próprio conta nesse pequeno trecho da entrevista:

           “[...] E aí se iniciaram as negociações entre as partes envolvidas, principalmente a PUC e a Burroughs. Não é fácil a gente se deslocar para 1958 e 1959, ou seja, falar em computador naquela época era um completo absurdo. [...] todo mundo dizia que o Brasil certamente não estava pronto para entrar na era da computação eletrônica por várias razões: não havia experiência, não havia outros computadores, não havia analistas, não havia programadores e não havia técnicos de manutenção. [...] Então se teve a idéia de se formar um consórcio de várias entidades que pudessem utilizar esses computadores. Entrou nesse consórcio o Ministério do Exército, o Conselho Nacional de Pesquisa, a Comissão de Energia Nuclear, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Burroughs e a PUC. A PUC não entrou com dinheiro, entrou com o local e a instalação.
            [...] Depois de grandes batalhas, finalmente em 1959 se conseguiram todas as licenças necessárias, todo mundo pagou o que tinha que pagar, e foram tomadas medidas para importar esse computador da Califórnia – a fábrica da Burroughs era em Passadena. Aí veio o grande problema de como transportá-lo. Não havia aviões como hoje, o avião maior que existia naquela época era um DC7C especializado em carga. Então nós alugamos um DC6 da Panamerican, na época, para transportar da Califórnia para o Rio de Janeiro. Estava incluído nas despesas, isso foi conseguido e o computador foi transportado do Galeão até a PUC num caminhão aberto do Exército. Eu me lembro disso, eu fui o primeiro que vi isso.”

Georg Herz – entrevista ao Núcleo de Memória da PUC-Rio
27/10/2007

 

O famoso 205 foi instalado na PUC-Rio e Georg Herz, então um jovem engenheiro da Burroughs, foi o encarregado de operar a parafernália de válvulas, fios, painéis e misteriosa maquinaria que punha em marcha o que então se chamava de cérebro eletrônico diante dos olhos assombrados de professores, estudantes e autoridades.  E se hoje computadores de todos os tipos e de alto desempenho são ferramentas absolutamente essenciais de nosso cotidiano universitário, acessamos a Internet de qualquer ponto do campus pela rede WIFI e nos acostumamos a levar para toda parte nossos dados em drives externos de muitos terabytes; se hoje a o Departamento de Informática da PUC-Rio é referência nacional e internacional, devemos muito aos que, como Georg Herz, nos idos dos anos 50 do século passado, acreditaram no sonho de trazer para o campus da PUC-Rio o 205 e fazer assim de nossa universidade um marco do pioneirismo no campo da informática no Brasil e na América Latina.

Na Cerimônia da Memória realizada na Sinagoga de Botafogo, seus filhos, Daniel e Monica, lembraram do pai como um homem bom, capaz de um imenso amor à vida e à família e com duas grandes paixões na vida, além da paixão maior por Sandra, sua mulher e companheira da vida inteira: a música, que o levou a criar e presidir a Associação dos Amigos da Sala Cecília Meireles para dividir com a cidade o prazer dos bons concertos, e o jogo de peteca nas areias de Ipanema, que ele praticou por décadas com grande seriedade e competência.  Daniel levou para a cerimônia a peteca de penas brancas, já muito gasta, que pertenceu ao pai e contou como o jogo,  sem oponentes ou disputas e cuja única regra é não deixar a peteca cair, entusiasmava Georg Herz e tornou-se um símbolo, cheio de significados, da vida de seu pai.

Georg Herz foi um engenheiro de projeção, um grande empresário, um pai de família amoroso, um cidadão do mundo que ajudou a fazer melhor a vida da cidade que escolheu para viver, um grande apreciador de música, e um homem que soube, como poucos, os segredos que permitem, em qualquer circunstância, não deixar a peteca – real ou metafórica – cair.  Foi também um grande colaborador da PUC-Rio.

Na história da PUC-Rio, Georg Herz tem uma dupla presença: sua filha, Monica Herz, graduou-se em História pela PUC-Rio e hoje, já doutora, é professora e pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais (IRI).  E a participação de Georg Herz na vinda e na instalação do Burroughs 205 foi fundamental para que a PUC-Rio pudesse ostentar o título de ter sido a primeira Universidade da América Latina a instalar em seu campus um computador de grande porte e a operar com ele.  Por isso a PUC-Rio se lembrará sempre dele com carinho e com gratidão.

 

Margarida de Souza Neves
Departamento de História
Dezembro de 2009